DA MINHA HISTÓRIA SÓ RESTA EU

Da minha história só resta eu

Os amigos da meninice

não sobreviveram à adolescência

e os da mocidade

se perderam ao virar das esquinas

Os adultos do menino se foram

pelo desfiar dos fios da vida

pelo caducar sucessivo das permanências

pelo desmanchar imutável da perenidade

ou sumiram nas brumas obscuras do tempo

Do século passado trago retratos

as roupas se rasgaram

as frutas apodreceram

o leite azedou

os sisos foram arrancados

e a televisão em preto e branco pifou

Ninguém herdará amanhã minha história

minhas lembranças e mortos

meus sonhos contrariados

meus minutos guardados

minhas inconfidências clandestinas

e tudo aquilo que revejo

no retrovisor embaçado da memória

Quem comigo compartilha as horas

não terá de mim o passado

do menino consumido

do rapaz terminado

do adulto ultrapassado

e deste velho que teima em não morrer

Quem de quando em quando ainda me vê

conservará tão somente e apenas

algumas diminutas lascas da minha história

Da minha história só resta eu

e quando for minha vez de sumir

ela vai desaparecer agarrada comigo

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 18/01/2023
Reeditado em 18/01/2023
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