DA MINHA HISTÓRIA SÓ RESTA EU
Da minha história só resta eu
Os amigos da meninice
não sobreviveram à adolescência
e os da mocidade
se perderam ao virar das esquinas
Os adultos do menino se foram
pelo desfiar dos fios da vida
pelo caducar sucessivo das permanências
pelo desmanchar imutável da perenidade
ou sumiram nas brumas obscuras do tempo
Do século passado trago retratos
as roupas se rasgaram
as frutas apodreceram
o leite azedou
os sisos foram arrancados
e a televisão em preto e branco pifou
Ninguém herdará amanhã minha história
minhas lembranças e mortos
meus sonhos contrariados
meus minutos guardados
minhas inconfidências clandestinas
e tudo aquilo que revejo
no retrovisor embaçado da memória
Quem comigo compartilha as horas
não terá de mim o passado
do menino consumido
do rapaz terminado
do adulto ultrapassado
e deste velho que teima em não morrer
Quem de quando em quando ainda me vê
conservará tão somente e apenas
algumas diminutas lascas da minha história
Da minha história só resta eu
e quando for minha vez de sumir
ela vai desaparecer agarrada comigo