Eu e teus olhos
Humano que sou,
não atravesso o cristal
de teus olhos mercurianos
e não envolvo com meus dedos
o núcleo das flamas que perdura
em cada um deles.
Humano que sou,
choro de vez em quando
ao lembrar que o nosso tempo aqui
se vai com uma fria rapidez
e que os seus olhos se fecharão subitamente
em algum momento de nossas vidas.
É verdade que na superfície da beleza
que vejo e sinto só há buracos negros se inflando.
Mas seus olhos carregam certa magia secreta
que me transforma de um segundo ao outro
numa coisa diferente do que costumo ser naturalmente.
Acredito que sejam as ondas de calor que escapam
das órbitas oculares quando você me encara
com tanta persuasão e delicadeza.
Eu, feito de ossos, não atravesso o cristal
de teus olhos mercurianos, mas essas ondas invisíveis,
com sutileza atômica, sim.
É a partir delas que uma conexão estreitamente inexplicável
ocorre entre nós durante o encontro das pupilas.
Elas rompem a córnea e as pálpebras
com a bravura de um exército armado até os dentes
e navegam por brevíssimos centímetros
até chegarem ao primeiro corpo estacionado ao redor – isto é, eu,
me queimando feito um pássaro que ousa encostar
nas bordas vermelhas do sol – isto é, você.
Não consigo, é claro. Talvez nunca consiga.
O mais longe que chego é o quanto suas luzes me alcançam,
já que nunca me libertarei dessas gaiolas.
Ainda assim, não deixa de ser um lindo espetáculo.
Eu abraço as luzes que se espalham sobre mim.
Eu danço com as luzes que tremem o silêncio.
Eu construo um ninho para as luzes repartidas.
E creio, cegamente, que um dia repousarei em seus olhos
pelo resto da eternidade –
tornando o paraíso, enfim, verdadeiro.