O ROUBO DO TEMPO

O dia estava cheio de ontens

que até parecia ter voltado no tempo

ao passado que nunca devia ter saído do lugar

O hoje ainda não existia

nem em sonhos era imaginado

e tudo era somente

dias antigos que um dia

seriam novamente lembrados

Como se o tempo houvesse

caído das molduras dos retratos

lá estava a mesma mesa posta pro jantar

porém ao invés dos três lugares

alguém tinha ido mais cedo embora

e vagado a cadeira frente ao prato de sopa

feita de lentilhas com cenoura e cebola

que somente eu era quem não gostava

Na vitrola se rodava o long play

da trilha sonora do filme My Fair Lady

que minha mãe sempre botava

e que até então nunca quis assistir

mas brincava sem de inglês entender nada

de criar personagens e histórias fantasiadas

Como se olhasse o antes com olhar de agora

tudo ali estava do mesmo modo que foi deixado

exceto pelo relógio de parede na sala

que não registrava o passar passado das horas

Aos pés da mesa ainda posta

uma barata passeia no assoalho de madeira

sem em nenhum momento ser incomodada

mas não me lembro dela em minha memória

só se foi colocada após ela virar póstuma

O dia estava cheio de ontens

o futuro sequer havia chegado

e o passado ainda não tinha sido

lá atrás pelo tempo roubado

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 26/12/2022
Reeditado em 27/12/2022
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