O ROUBO DO TEMPO
O dia estava cheio de ontens
que até parecia ter voltado no tempo
ao passado que nunca devia ter saído do lugar
O hoje ainda não existia
nem em sonhos era imaginado
e tudo era somente
dias antigos que um dia
seriam novamente lembrados
Como se o tempo houvesse
caído das molduras dos retratos
lá estava a mesma mesa posta pro jantar
porém ao invés dos três lugares
alguém tinha ido mais cedo embora
e vagado a cadeira frente ao prato de sopa
feita de lentilhas com cenoura e cebola
que somente eu era quem não gostava
Na vitrola se rodava o long play
da trilha sonora do filme My Fair Lady
que minha mãe sempre botava
e que até então nunca quis assistir
mas brincava sem de inglês entender nada
de criar personagens e histórias fantasiadas
Como se olhasse o antes com olhar de agora
tudo ali estava do mesmo modo que foi deixado
exceto pelo relógio de parede na sala
que não registrava o passar passado das horas
Aos pés da mesa ainda posta
uma barata passeia no assoalho de madeira
sem em nenhum momento ser incomodada
mas não me lembro dela em minha memória
só se foi colocada após ela virar póstuma
O dia estava cheio de ontens
o futuro sequer havia chegado
e o passado ainda não tinha sido
lá atrás pelo tempo roubado