ÁLBUM DE RETRATOS
Herdei da minha mãe
seu álbum de fotografias
da infância de seu filho
que ela já não vê mais
Nele estou encoberto
em roupinhas de algodão branco
a me agasalhar o início
com olhos abertos de espanto
a encarar o prolongamento do mundo
que ali ainda me é breve, reduzido e pequeno
Nos retratos do primeiro aniversário
crianças mais velhas se divertem
comendo guloseimas e bebendo refrescos
enquanto eu adormecido em seus braços
sonho sonhos iletrados de neném
indiferente ao que lá fora não entendia nada
Vejo-me nos primeiros passos
com a leveza de um bailarim inocente
que ainda haverá de conhecer
a dureza dos pisos e dos assoalhos
e as farpas dos tacos retirados das árvores
a furar os pés e a raspar os joelhos
esfolando e arranhando braços e cotovelos
Em minha vida preta e branca
de cabelos alinhados
bem-vestido, elegante e comportado
posando para câmaras e me fixando em retratos
vou pintado a biografia do menino
em luzes, sombras e contrastes
impressos nas superfícies sensíveis dos couchés
a revelar para sempre meu longe e remoto passado
Que meu garoto fotografado
de mim agora tão distanciado
permaneça assim então guardado
protegido das horas que passam
no exterior dos revestidos livros
onde se conserva a eternidade infantil
dos meus continuados calados retratos