TEMPO, TEMPO, TEMPO

Atirei a pedra contra o tempo

e quando ela voltou eu tinha me transformado

Estava mais velho

o rosto no espelho era diferente

e dois dentes haviam sido arrancados

(Para onde foram

meus fios de cabelo

nesta cabeça

que agora me é divergente?)

No virar dos ponteiros

o mundo estava alterado

a Terra havia girado

as sementes frutificadas

o semáforo aberto

o trânsito andado

e o Sol se achava

se pondo do outro lado

(Cadê o pássaro

que aqui sempre cantava

no parapeito da sacada?)

Hoje sou um ontem prolongado

demorado, comprido e esticado

e se o agora me é logo passado

no amanhã quando o alcanço

estou outra vez atrasado

(O amanhã sempre me foge

pro dia que lhe é seguinte.

e quando nele chego

ele havia de novo se mudado)

Para onde vai o futuro, não sei

talvez se abrigue no passado

em meio a tudo que em mim

não é feriado, apagado, esquecido

extinto, desaparecido ou finado

Tenho mais idades que aniversários

tenho mais infâncias que o menino

mais mocidades do que o rapaz

quantos adultos, nem sei mais

(O que serei depois

deixo aos meus velhos replicarem)

São cinco da tarde

e eu me tornei crepuscular

Faltam sete horas

para voltar a ser meia-noite

no tempo em hoje sou

um amontoado de horas

que já nem existem mais

Atirei a pedra contra o tempo

e quando voltou

eu tinha ido morar com meus pais

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 30/07/2022
Reeditado em 01/08/2022
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