CACHIMBO, WHISKY E PIANO

Meu pai era baixinho, careca

e fumava cachimbo

Meu pai virou pai quando nasci

tinha 50 anos

usava paletó de linho branco

era míope, sorridente, barrigudo

e tinha jeito mais parecido com avô

Meu pai fazia versos

sentado em sua escrivaninha

encurvado sobre a máquina de escrever

e os tec tec tec tec tec que emitia

ainda ressoam distantes no tempo

como recitais nostálgicos de piano

Meu pai era professor, advogado e poeta

escrevia em jornais e tinha livros

frequentava saraus e consulados

bebia whisky com gelo

e queria que eu fosse embaixador

Meu pai me durou apenas 10 anos

alguns meses,

um tanto de semanas

um amontoado de poucos dias

e toda uma eternidade retirada

antes d’eu terminar a infância

Em sua escrivaninha tem uma ausência

e já não sinto o cheiro do cachimbo

mas toda vez que digito versos no computador

estou como se estivesse a dedilhar

notas musicais em um piano

“Nunca mais (agora

que tudo é silêncio)

diante do amor e do vinho

teu rosto jovem revelará segredos”

(meu pai, 1951)

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 01/07/2022
Reeditado em 01/07/2022
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