CACHIMBO, WHISKY E PIANO
Meu pai era baixinho, careca
e fumava cachimbo
Meu pai virou pai quando nasci
tinha 50 anos
usava paletó de linho branco
era míope, sorridente, barrigudo
e tinha jeito mais parecido com avô
Meu pai fazia versos
sentado em sua escrivaninha
encurvado sobre a máquina de escrever
e os tec tec tec tec tec que emitia
ainda ressoam distantes no tempo
como recitais nostálgicos de piano
Meu pai era professor, advogado e poeta
escrevia em jornais e tinha livros
frequentava saraus e consulados
bebia whisky com gelo
e queria que eu fosse embaixador
Meu pai me durou apenas 10 anos
alguns meses,
um tanto de semanas
um amontoado de poucos dias
e toda uma eternidade retirada
antes d’eu terminar a infância
Em sua escrivaninha tem uma ausência
e já não sinto o cheiro do cachimbo
mas toda vez que digito versos no computador
estou como se estivesse a dedilhar
notas musicais em um piano
“Nunca mais (agora
que tudo é silêncio)
diante do amor e do vinho
teu rosto jovem revelará segredos”
(meu pai, 1951)