O REFÚGIO DO HIPÓCRITA
A hipocrisia se enceta na divergência
quando se discorda de uma verdade plena
e no instinto de preservação se ataca.
Seja dito que o verdadeiro é individual
e, por conta, o hipócrita não se aplaca
até que faça do falante um marginal
e se absolva no imaginário tribunal.
Sem regras que não a própria ofensa
mergulha em cheio na decadência,
quanto mais fundo mais esperneia
e faz da troça uma peta verdadeira,
porque para além dos fatos palpáveis
o enunciável já está e é exterior
ao princípio do sujeito enunciador,
constrói-se no antes e durante,
histórica e linguisticamente
no domínio da memória.
O já-dito tem raiz intermitente,
não se trata só do agora,
quando a ele se remete é só derrota,
não se escapa com negação,
é necessário o espelho de si
e não tem reflexo o hipócrita
ele está preso à própria resposta,
exilado no último refúgio: a ilusão
de sua missão augusta
que lhe justifica a postura infausta;
nada mais que um Sísifo.
Para Ciro Gomes