PAI
Tua ausência, pai, para mim, é um paradoxo. Ser teu filho é honrar um título.
Pois o não ser, em ti, que sempre foi para mim a presença intensa do impossível,
É justamente o reflexo de uma presença que poderia não ter sido, mas que foi, incrível,
A sorte de tê-lo pai, como um anjo que protege e de cena sai, antes do último capítulo.
Mas morrer é essa coisa que ao ser pertence e bem me ensinaste que o que fica é o que se honra, independente da hora da homenagem. Sim, as cinzas permanecem porque o corpo um dia abraçou e acolheu com a intensidade infinita do amor. E é o amor que dá sentido a cada átomo, a cada partícula que se torna sagrada na comunhão da gratidão e da lembrança.
Hoje te espalharemos no infinito da baía da qual vieste. Aquela que sempre louvaste como teu lar e para a qual um dia, profetizavas, retornaria. No mangue da saudade te fazemos eterno. E da tua eternidade continuarei colhendo teus ensinamentos. De hoje até o fim de meus dias cada onda do mar que me chegar será uma sílaba da frase infinita que a natureza, grande bíblia de tua sabedoria, me fará traduzir na simplicidade com a qual espero formar a herança de saber, bondade e fraternidade que pretendo também deixar a meu filho, fazendo do paradoxo da tua ausência, a realidade essencial do amor que se perpetua.