A flor, o nojo e o medo.

Ei, vocês que passam?

Ei transeuntes?

Todos vocês que passam

caminhando perdidos pelos labirintos da loucura,

castrados por seus temores,

trancafiados em celas decoradas com ilusões publicitárias.

Eu lhes trago a boa nova de que

milagrosamente uma flor nasceu no lixo.

Sim!

Uma florezinha ousou nascer no lixo,

contra todas as perspectivas ousou - tola - nascer ali,

em reciprocidade aos que ousam sorrir genuinamente,

sonhar incansavelmente,

cantar desavergonhadamente.

Emergiu triunfante entre os cadáveres do consumismo,

nasceu em meio a balbúrdia,

sem dar trela ao sobrevoo

dos urubus capitalistas.

Nasceu sobre escombros dos dejetos sociais,

sobre sobras irracionais

dos restos desnecessários.

Mas não foi notícia televisiva

nem foto jornalística

nem tema de vestibular.

Dirão, que flor idiota!

Acaso lixo la é local onde se nasça?

É lá ambiente no qual se viva?

Principalmente sendo uma flor.

Que nascesse num jardim bem cuidado,

de Burle Marx,

de condomínio de luxo,

em praça de centro urbano,

ou nos jardins de Monet.

Flor insolente! Brada o comandante.

Desafia a ordem! Profere o tenente.

Nascendo onde não deve, onde não pode,

sem nem registro em cartório.

Chamem a tropa de choque

acionem a cavalaria,

garantamos reintegração de posse

ao medo e a covardia.

Vejam se pode!

Corajosa essa flor,

nascendo do nojo abjeto,

nutrindo-se de sobras,

feculdando o descartável das pessoas ,

e mesmo assim desabrocha ,

silenciando as críticas manetas,

contrariando as dúvidas caquéticas

das pessoas dementes , descrentes.

Avisem ao presidente,

desfraldam o pavilhão,

decreta-se feriado nacional,

escreva-se sobre ela um enredo de carnaval.

Isso sim é fato histórico,

uma flor esquelética e desconjuntada,

raquítica e desbotada ,

desnutrida em sua cor pálida,

mas ainda assim

- sim senhor-

ainda assim uma flor.