AOS MEUS 64
No sábado farei 64 anos.
Quanto tempo no cangote,
quanto limbo na pele,
quanto calo no coração.
Dá pra avistar o final do show,
cortinas caindo, silêncio aconchegando,
cada teco de plateia,
o degustar do dever cumprido
tomara que merecido.
Olho pra trás e me vejo menino,
sedento por passos a tecer,
moleque errante buscando tecos de ar,
de enredo, de sina, de vida.
Valeu a pena cada vão, cada chão,
cada cheiro, cada gosto,
cada suor indigesto,
cada sonho ungido.
As dores não gritam mais na alma,
reverberam pelo corpo,
se alastrando sem pedir licença,
feito erva daninha.
Alguns medos esqueceram seu mando,
seu dono, seu algoz.
Outros já têm assinatura,
álibi e arremate.
A sabedoria cobra seu boleto,
solavancos foram fontes de luz,
palavras emergem mais afiadas,
mais donas, mais pungentes,
mais unguentas, mais recheadas,
mais estridentes, mais arteiras.
Bora pro segundo tempo,
a dança fica mais rimada, perfumada,
os passos firmes dizem a que vieram,
a orquestra está bem ensaiada,
pra não esquecer nenhum acorde,
nenhuma rebarba, nenhum amém.