Das retinas da alma
Já vi meu pai engolindo o ódio
Minha mãe segurando o choro
Sacrificaram o próprio orgulho
Sorriram tristes no desaforo
Já vi tanto olhar debochado
Enquanto o suor pingava do rosto
Mas quem vive só de amor
Não se deixa matar de desgosto
Já vi a fome de perto
Mas nunca passei por ela
E se hoje eu sou mais forte
É que a pobreza não fez sequela
Já vi minha mãe dobrando os joelhos
Clamando ao Deus dela em oração
Nunca clamou por ela
Mas aos filhos por proteção
Já vi meu pai trampar aos domingos
Em silêncio ser tachado de escravo
De sol a sol em sacrifício
Sem gastar com ele nem um centavo
Já vi o preconceito na sala de aula
Nem tô falando dos livros de história
Eu calava a boca, gabaritava as provas
E ironizava o "parabéns" na dedicatória
Já vi zombeteiro em silêncio
As atenções se voltando pra mim
Enchendo minha rainha de orgulho
Com cada dez no meu boletim
Já vi que a inveja machuca o soberbo
E a arrogância se disfarça de piedade
A ajuda vem de onde não se imagina
E a cobrança duas horas mais tarde
Já vi o perdão ser usado como arma
E ferir a inocência de um bom coração
Até funciona com quase todo mundo
Mas segunda chance comigo não
Já vi a angústia me consumir
E nas rimas salvei minha vida
E se desabafei nessa poesia
É porque não vi outra saída