FORTUNA SEM PAZ

FORTUNA SEM PAZ

Ter mais dinheiro não me diz nada,
Porque sem motivos sou resto e além,
Mas sendo cativo da coisa comprada,
Nem sei a jornada que leva esse trem.

Desafortunados são ricos sem eixo,
Pois são o desfecho do modo venal,
E passam a vida juntando os seixos,
Vivendo o desleixo de ser só mortal.

Enquanto se busca petróleo em Marte,
Não veem dinossauros sob seus pés,
Nem podem sentir o fulgor de ser arte,
Pois foram vaidades de virar jacarés.

Alguns vivem desdenhando da vida,
Apenas pelo acaso ou mero descaso,
Conquanto a dor alheia lhes convida,
Porque ainda lhes falta ver o ocaso.

Mas vê que os dias reclamam,
Para sentires que ainda está vivo,
Mesmo que os mortos praguejem,
E digam: Vem cá meu bandido!

Enquanto a teia alinha o destino,
Assim ouvirei os quasares,
Naquilo que é meu desatino,
Resumido em todos lugares.

E como as aranhas do Nilo,
Comparsas dos afagos de Anubis,
Vou apreciando seus castigos,
Que nem mais vêem as nuvens.

Por isso não quero a fortuna,
Se ela nos traz dias sem paz,
Ou também a dor da borduna,
Que mata a tudo que apraz.