O ESPANTALHO
Sou como um autómato
Galopando os caminhos insondáveis
Da esperada solidão
Tento fazê-lo em movimento retrógrado
A lei da gravidade
Não me permite o retrocesso
Tenho que seguir os ponteiros do relógio
O ideal seria com lentidão
Estar aberta à novidade
Estar aberta ao progresso
Não importa o adiantado da hora
Escrutino os sulcos lavrados no meu rosto
Já impossíveis de gradear
Que o arado da vida executou
Sem que lhe fosse pedida tal obra
As pernas ulceradas recusam o andar
Os olhos esventrados de tanto observar
Os braços na horizontal levantados
Formando uma cruz
Apenas para manter o equilíbrio
Como um espantalho erguido
Num campo de milho
Onde os pardais se enchem de luz
No meu gravitar
Em torno do adiantado da idade
Me cruzo com outros
Iguais a mim se calhar
Corpos de serradura
Cabeças de palha
Que a minha visão de raios X descortina
Através da fatiota aprumada
Vem o agiota ...
E pede-lhes contas ao toque da concertina.
Trava-se uma luta cerrada
Gastaram tudo, ninguém tem nada
Da confusão resta a destruíção
Serradura, pó e palha...
Nem um neurónio ou um rosto
Entre os restos mortais
Escapei da revolução
Apalpo-me com satisfação
Não sou igual aos demais
Afinal, sou de carne e osso
Os neurónios...
Estão todos artilhados no seu posto
A mastragada, é uma festança prós pardais!
©Maria Dulce Leitão Reis
Copyright 24/03/14