AGORA É TEMPO DE BENESSES
O tempo com sabor a fel
Ficou algures lá pra trás no tempo
Cheguei ao tempo do cheiro
Das maçãs maduras
E dos favos de mel.
Quero ter tempo
Para as minhas poéticas aventuras
Para os cheiros da terra
Esquecer que um dia houve guerra
Quero ter tempo
Para regar as minhas plantas
Tratar da minha horta
Cuidar das minhas flores
E sentir o inebriante odor
Emprenhar-me a alma
E evolar-se na magnitude do ar
Quero amar a alegria e o esplendor
Quero esquecer que um dia houve dor.
Não quero um homem para amar
Tenho os meus versos
Que jamais usarão
A vicissitude e a mentira
A traição e a ameaça
Para me fazer sofrer e calar.
Tenho os meus versos
Que me farão companhia
Num passeio à beira mar
Ou de mão dada pelo bosque adentro
E descansar à sombra dum rododendro
Até o dia anoitecer
Ou simplesmente ouvindo
O marulhar das ondas
Ou o rugido das vagas
Na quietude dum sol posto
Nas areias mornas deitada.
Posso ser um grito ou um beijo
Esperança, mosto ou ensejo
Posso ser raiva ou doçura
Na boca do vinho o gosto
Na alma a candura
Posso ser plena e esfusiante
Endiabrada ou apenas comedida
Posso ser tudo sem medida
Posso ser tudo o que desejo
E na hora que a alegria canta e dança
Ou na hora que a tristeza chora
Numa cama de cetim deitados
Eu e os meus versos tão amados
Com as rosas do meu jardim perfumados
Nos estreitamos num longo abraço
Unimos as bocas a preceito
Num beijo húmido e demorado
Eu e os meus versos tão amados
Subimos aos céus num êxtase perfeito
E eles se juntam às avezinhas celestes
Fazendo a batuta dum jasmim
Formando uma orquestra
E tocando uma música só pra mim.
Há pessoas que não têm nada
Eu sou uma afortunada
Tenho as minhas palavras
Em versos rimadas
Que ergo na noite escura
Densa e estrelada
E me iluminam de ventura
E me sinto tão bem amada.
Agora é tempo de benesses
É tempo de colher os frutos maduros
E saboreá-los com volúpia e sofreguidão
Já não há pressa pra correr atrás de nada
Posso saborear a vida com lentidão
A adversidade tornou-me forte e corajosa
Delicada e doce como uma rosa
Mas tão frágil que confrange
O mais leve toque me estilhaça
Cuidado pra não ferir a falange.
Quis despertar as recordações do passado
Mas foi uma desgraça
Um passado que mantive incandescente
Ardendo dentro de mim
Até ao momento presente
Erro crasso.
Isso nunca façam
Há sempre um risco ou uma gralha
Um mal entendido
Ou não ser compreendido
Não se deve acordar
O que está adormecido.
O que era bonito e estava num pedestal
Pode cair e transformar-se
Em restolho que antes foi seara
E a estória repete-se
Na feérica imensidão deste etéreo desatino!
©Maria Dulce Leitao Reis
12/03/14