AVE MARIA (do brilho ao âmbar ao fosco ao cinza)

No dia a dia eu opero mil milagres em mim mesmo,

me esgueiro dos neurônios que imploram o veneno,

procuro nos cantos da casa a penumbra da despensa

e persisto no verso — sem que haja uma recompensa.

Assim sempre é a vida: bisa das horas, neta do tempo,

madrasta do improviso, a doida varrida, o pé de vento

que entra e muda de dentro o seu próprio pensamento.

Observo esta contraluz das dezoito no veloz momento

do istmo além da linha seca, árida, bege, âmbar e entre

o fosco, que já exibe a névoa de uma sombra cinzenta.

Consigo derrotar o impossível, porém jamais o poema.

Sou poeta: aquela sidra quente e sem gás da oferenda.