DESMEDAMENTE FELIZES
Falar dos medos que nos empacam, nos destroem,
aqueles que vêm em bandos, em turbilhões,
aqueles que amotinam nossas certezas, todas elas.
Falar dos medos que esmigalham a alma,
que confundem o chão, descarrilham as certezas,
medos que deixam Deus perplexo,
medos que deixam Deus triste,
triste como nunca se imaginou.
Falar dos medos que não têm bula, nem feitor,
medos farsantes, blefadores, tresloucados,
que ficam à espreita de um vacilo pra brilhar,
que não dão um pio que seja, nunca mesmo,
que se dizem placebos, que se fazem de múmias,
que se prostram amistosos, abençoados até.
Então saem da casca com sangue nos olhos,
vêm à tona imbuídos da fúria de todos os homens,
arregaçam seu estopim, iluminam sua carcaça fétida,
e destroncam os ventos, a água, o querer bem.
Daí nos levam ao caos sem trégua, sem desculpa,
desgraçam nosso sangue, nossos ninhos, nossa paixão,
enfurecem os quatro cantos do nosso cantar,
desesperam os ralos, as falanges, os porões,
fazem nosso ar mendigar, rastejar, despencar de si mesmo.
Então soltamos um grito puído, cariado, fedido,
daí aquele medo gigante se revela miúdo, capenga,
daí aquele furacão se perde no próprio vazio,
no próprio engodo, na própria diabrura original,
então voltamos a sorrir, desmedados e soberbamente felizes.
Desmedamente felizes.