Entardecer

Era ali o meu lugar de menino,

Atrás de um portão comido de ferrugem,

Atado ao tempo pelos muros úmidos do quintal,

Onde fantasmas moravam nas árvores escuras

E só meus olhos podiam ver...

Era ali o meu lugar de menino,

Contemplando a vida como um cachorro contempla a rua.

Sem esperança.

Homens elegantes passavam nas calçadas

Farejando as moças solteiras ainda bonitas.

Traziam no bolso da camisa um jacaré cor de alface

E nos cabelos uma pasta untuosa perfumada

Que até espantava as moscas.

Talvez um dia eu crescesse para casar com a vizinha...

Toda tarde, ela lavava roupas no tanque,

Molhada de sabão...

O cheiro da vizinha molhada pulava o muro

E não respeitava a minha infância...

Queria correr no campinho com a molecada,

Atirar mamonas no céu

Com o bodoque que nunca tive

Para acertar algum anjo mais lerdo

Ou descer embalado a rua

Nas asas mágicas de um carrinho de rolimã.

Mas a noite veio

Tão depressa...

Tão depressa...

Tão depressa...

Que chego a duvidar do tempo

E, pasmo, hoje me pergunto:

- Será mesmo que um dia fui menino?