É ESTRANHO

É estranho pensar que sabemos de tudo,

religião, filosofia, arte, pureza, perdão,

que consertamos os erros deste mundo,

que somos a raça da nova evolução:

olha lá o esgoto a céu aberto,

olha lá o morto de olho aberto,

olha lá o ponto de ônibus cheio,

as agulhas procurando os veios,

os psicólogos afagando anseios,

além da tua poesia o sangue ainda é vermelho...

É estranho ouvir o homem dizer que ama

enquanto, pirotécnico, acende a chama

e queima os barracos à beira da rodovia,

escreve com fogo as labaredas da poesia,

domado pela Morte, em si a recria...

É estranho ver o homem vendendo flor,

nos cafés escrevendo poemas de amor,

reluzindo o ouro nos seus dedos sub-reptícios,

afagando o cão que o lambe, ossos do ofício...

É estranho acordar e sair pelas ruas abarrotadas

por carros sem rumo, andam por entre barricadas,

a última coisa que querem é ver, acordar,

preferem andar pelo mundo, submersos,

como se estivessem no fundo do mar...

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