DORES NA SOMBRA - Joaquim de Sousa
Lírio do vale, eu fui um desvairado,
pudera te adorar… Só quis amar-te;
nas ânsias de um sofrer amargurado,
em vez de te elevar, tentei manchar-te!
— Perdoa! Eu sou o verme… És tu o astro
e seria de fel nosso himeneu…
Ai! Lança, no passar, um tênue rastro
de luz, no negro crepe do meu céu!
Foram teus o meu delírio e meu anelo,
mas meu sofrer foi só! Ninguém o viu!
Tredo sonho roçou em meu cabelo,
e o fantasma da morte ali dormiu!
Sim, do mundo infernal a infame boca
cuspiu no meu cadáver inda sangrento;
e minh'alma se arroja, como louca,
pelas trevas ferais do pensamento!
Covardes, que chorais, vinde comigo,
abri a noite fria dos malditos;
e esbarremos na porta do jazigo…
— Inda um instante negro de proscritos;
infames, que sorris! Erguei a taça,
esgotai do gozar o cálix todo!
Bebei na boca impura da devassa
um misto de prazer, de luz e lodo!
Tristemente a sorrir frio e gelado
eu deixei-me empurrar pelo Destino…
Morrer que importa? O anjo do finado
embrulha na mortalha o peregrino!
Minh'alma, que era cega, iluminou-se
ao teu suave olhar tão pensativo…
E às esferas da luz ela arrojou-se…
— Mas hoje é tudo morto… Eu já não vivo!
Na febre desse anelo e desse sonho
fui elevar-me às nuvens cor-de-rosa!
— Dias felizes, plácidos, risonhos,
hoje tornados — noite dolorosa!
Morrer! Eu sinto n'alma o desalento
arrancar-me uma a uma, as esperanças!
Oh, virgem! Meu amor, meu pensamento,
leva-me ao céu atado às tuas tranças!
© Joaquim de Sousa
in: jornal “Mocidade”, abril de 1876.
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Joaquim Francisco de Sousa (Fortaleza, …1855 — Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1876) foi um jovem poeta cearense marcado pela essência byroniana.
Em sua efêmera vida, trabalhou como tipógrafo em jornais de Fortaleza, como esse mesmo “O Cearense”, e seus versos aparecem desde o ano de 1872. Encontramos alguns de seus poemas nos Ensaios Literários, de 1874, e n' A Brisa, de 1875. Mais copiosamente, porém, colaborou na Mocidade, de 1876, que ele mesmo fundou com Antônio Martins e Rodolpiano Padilha. Seus poemas foram reunidos primeiramente pelo poeta e professor Sânzio de Azevedo, seu conterrâneo.
O saudoso historiador Vinícius Barros Leal, confrade de Sânzio na Academia Cearense de Letras, deu-lhe a cópia de uma carta de Rodolpiano Padilha, do jornal O Baturité (12/10/1876), e que diz do poeta: “Era um moço de ideias livres, bebidas, certamente, nessa fonte de arroubos de Byron e Azevedo, em que os ‘moços do século’ se comprazem mergulhar a mente.”
Suicidou-se, lançando-se de uma barca na Baía de Guanabara; em seus bolsos, encontraram um livro de lembranças, algumas cartas, um relógio danificado pela água e uma moeda de 20 réis (um vintém). O jornal O Cearense de 4 de outubro de 1876, noticiando-lhe a morte, informava que “a ideia sinistra do suicídio já ele acalentava no espírito desde que partiu para a corte”.
Como ele mesmo revela no poema “Só!…”
“Não foi meu coração que dispersou-se
no deserto perdido peregrino;
foi a sina fatal que consumou-se…
Eu nasci já maldito do destino!”.