REMEMORANDO 1958:
Alma marcada a ferrete.


             Sobre a seca de 1958 e um menino de 6 anos,
             ligação direta com a realidade.


Ano de 1958- Vila Iara, Distrito do Barro, Ceará.
Sem brinquedos e sem ter com quem brincar,
todas as tardes sentava no patamar da igreja,
para admirar caminhões FENEMÊS carregados,

indo e vindo sem ele saber de onde e pra onde,
e os voos das andorinhas aninhadas na torre da igreja,
os únicos divertimentos vespertinos do menino pobre.
Nos intervalos demorados  dos poeirentos caminhões,
o menino observava assustado, sem entender nada,
os corpos dos anjinhos rumando ao cemitério,
em caixões rusticamente confeccionados às pressas,
conduzidos sobre os ombros dos consternados pais,
sob olhares insensíveis dos moradores da vila,
resignados com a tragédia previamente anunciada,
das malfadadas crianças mortas prematuramente,
crianças destinadas a morrer, morrer de inanição,
mortes no atacado, anjinhos de 1 a 10 meses,
soro caseiro ninguém conhecia, nada se podia fazer,
no descaso da União , diarreia eliminava crianças.
À noitinha  o menino ia para uma ponta de rua
aprender rezas,

depois se deleitar com as estórias de trancoso.
Na rede, se cagava  de medo da coruja-rasga-mortalha,
com o atrito das suas asas ao voar sobre o telhado.
Nas crendices era mau agouro, Dona Quininha acreditava,
seguindo a superstição afirmava: "Alguém vai morrer".
Eu lembrava dos anjinhos enterrados em covas rasas,
perdi um irmão, nem foi batizado , morreu de inaniçao.
Iara das minhas rezas decoradas, da paisagem estorricada.

Autor Benedito Morais de Carvalho (Benê)
Livro: A poesia da calçada não vende Ilusão.
Scortecci Editora -2020