INVERNO, A HIBERNAÇÃO DA ALMA
Pra quem, assim como eu, vive no sertão
Sabe que inverno num é coisa natural
Dá até pra contar nos dedos, quantas vezes por aqui passou
Essa estação em ano atemporal.
O ano é 2020 e, num que é que invernou?
A chuva esverdeou a paisagem, com todo o seu fulgor
Encheu de esperança o sertão
Trouxe fartura, o pão, e muita alegria causou.
Nunca entendi dos bichos que vivem a hibernar
Contam dos ursos, à espera do momento que vai passar
O momento é o inverno, inertes estão
O que justifica tamanha incursão?
O inverno desse ano trouxe um acompanhante
Não veio sozinho ou com as companhias de antes
Trouxe até nós aquilo que chamo missão
Uma oportunidade de refazer os passos, de limpar o chão.
O chão onde pisamos, nossa sustentação
Que nos fornece alimento, morada, proteção
O chão massacrado pelo egoísmo lavado, sem qualquer empatia
É a ação humana devastadora, voraz e fria.
Também aqui no sertão é possível ver
O chão pedindo socorro, a se debater
É muita alma aflita, tomada de superficialidade
É muita ação banal, sem qualquer afetividade.
O chão é a alma da gente
É cada um de nós, pessoa descontente
Repleta de vícios que nos impedem a visão
Sufocando o amor, sem qualquer comoção.
O chão está doente, o inverno a nos lembrar
O ser humano carente
O meio sofrente
Hora de hibernar
O bicho humano num entende
É resistente, teimoso, desobediente
Empatia, galinha com dente
Alteridade, coisa inexistente.
Do chamado a missão? Pois bem, vamos lá
A incursão começa com um vírus a se alastrar
É um companheiro não grato, o tal pelo inverno trazido
Não fosse sua crueldade primorosa, ainda é invisível.
De tudo agora devo me destituir
De cada máscara, de toda insensibilidade estarei a me despir
Ao menos assim deveria ser
A julgar pela fragilidade que ronda o meu ser.