Devaneio

A lua se aconchegava pendurada no azul celeste

Ao seu redor jazia cotidianamente aquelas pequenas órbitas oculares divinas

E um receptáculo deixava seu conteúdo viajar: anima

Dançar pelas linhas divisórias da vida, tão finas (existem?)

Meus olhos se abriram, ora sim

De outro lado do rio

E borrões se achegavam até mim

Como passos de uma centopeia ou mil

E me atropelavam, ou melhor afogavam como uma grande onda

Me paralisavam sem torpor

Eis que me veio a palavra: tonta

E me propus a colocar-me em meus pés

Minha silhueta ainda curvada trazendo ar de languidez

Seus lábios roçaram cálidos na minha orelha direita

-Sê forte para que veja, preciso que entenda

Oh, não, dama que desconheço

Eis que não sou forte

Deixa-me aqui e pereço

Sou pequena, sou terna

Meu brado é calmo e baixo pois encontra em si o amor e não a guerra

Sou amante, não gladiador

- Acaso há algo mais forte que o próprio amor?

Suavemente senti meu rosto erguido

E fantasmas passeavam distraídos

Indiferentes ao meu lado, regozijos

Um rosto conhecido

Dois supostamente já encontrados

Três e eu me encobria de um espanto pálido

-É o teu passado

E tentei comunicar minha saudade

Vinham-me lembranças queridas

Algumas noites com aquela, com esta uma tarde

Uma gota afagava-me as vistas

E me arrastaram de volta ao leito

Ao contrário do esperado não esbravejo

E me retiram o véu de sobre os olhos, eu vejo!

Eu vivo, eu respiro, palpita-me o peito

Agora, por já e eternamente

Eu já não me recordo o devaneio

Pois se antes eu via, agora para sempre eu vejo!