outra lua

à meia luz amarela

da janela

as feições banhadas

em ouro ganhavam

uma nova cor

o comprimento de onda

fundia-se à pele macia

como num quadro renascentista urbano

a tinta ocre delicada

pincelando cada centímetro que

tocava da epiderme

tchk

tchk

tchk

acende a

chama

inflama

a seda no criptar

de um beijo

seco

o olhar amendoado

verdeazulacastanhado

impregnado

de essência de melão

sopra a fumaça rarefeita

feito música que rompe

o silêncio

lá fora

o mundo quieto

o tempo num giro contrário

rebobinado

demorando a passar

mais um trago

olhos bobos de um voyeur

irrequieto meio encantado

hipnotizado pela

forma graça da boca

que expirava mais fumaça

dourada

se perdendo em voltas

no ar fresco do vento

abanando as cortinas

os cabelos

nós de cafuné

desfeitos na carícia dos dedos

o céu sem lua nem estrelas

o claro escuro azul-marinho

mosqueado de nuvens algodão-doce

tutti frutti sem sabor

nem cheiro

de chuva

a escrita da natureza

impressa na mudez do mundo

apoiada no parapeito

hermética pintura de

edward hopper fulgurando

uma cena nunca filmada

gravava nas retinas

como uma câmera

para guardar sempre

à impressão do fechar

de seus olhos

na locadora da memória

o filme vivo com que se deleitaria

depois, mais tarde

na ausência saudade

do oco doído do coração

A H
Enviado por A H em 20/12/2019
Código do texto: T6823637
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.