outra lua
à meia luz amarela
da janela
as feições banhadas
em ouro ganhavam
uma nova cor
o comprimento de onda
fundia-se à pele macia
como num quadro renascentista urbano
a tinta ocre delicada
pincelando cada centímetro que
tocava da epiderme
tchk
tchk
tchk
acende a
chama
inflama
a seda no criptar
de um beijo
seco
o olhar amendoado
verdeazulacastanhado
impregnado
de essência de melão
sopra a fumaça rarefeita
feito música que rompe
o silêncio
lá fora
o mundo quieto
o tempo num giro contrário
rebobinado
demorando a passar
mais um trago
olhos bobos de um voyeur
irrequieto meio encantado
hipnotizado pela
forma graça da boca
que expirava mais fumaça
dourada
se perdendo em voltas
no ar fresco do vento
abanando as cortinas
os cabelos
nós de cafuné
desfeitos na carícia dos dedos
o céu sem lua nem estrelas
o claro escuro azul-marinho
mosqueado de nuvens algodão-doce
tutti frutti sem sabor
nem cheiro
de chuva
a escrita da natureza
impressa na mudez do mundo
apoiada no parapeito
hermética pintura de
edward hopper fulgurando
uma cena nunca filmada
gravava nas retinas
como uma câmera
para guardar sempre
à impressão do fechar
de seus olhos
na locadora da memória
o filme vivo com que se deleitaria
depois, mais tarde
na ausência saudade
do oco doído do coração