INSOLAÇÃO QUERUBINA

A aventura humana é uma deusa de múltiplos gostos,

múltiplas mãos, múltiplos palcos.

Seu sangue tem voz de porão pra fazer requebrar

os ventos mais arredios, mais surrados.

É aventura tresloucada, de cabelos amarrotados

e olhos cabisbaixos.

Sua sina é derrubar sonhos, num dominó esbaforido

que nunca dorme, nunca se consome, nunca desiste.

A aventura humana esgana quem ousar destravar seus

engates, quem se dispuser a surrupiar seu ar.

É fugaz e afoita sombra à revelia dos vãos

da alma, dos chãos da razão, dos bares de Deus.

A aventura humana menstrua seus poréns sem

perder o tom, nem o apetite.

É fera dopada pelos vaivéns da fé, pelos trôpegos

goles da insensatez mais absurda, mais engasgada.

Seus frangalhos se fartam da insolação querubina

do desquerer-bem, esbravejando essa sina com

parcas querelas de algodão-doce.

A aventura humana delira seus vinténs

sucumbindo ao pó terno da fantasia.

Ela pouco sorve dos tropeços infames da ilusão.

Ela pouco agasalha as ladainhas ocas da paixão.

Faz valer sua varinha de condão numa sonata rouca,

um pesar soturno, num gozo calado e senil.

Da aventura humana, espero, pouco restarei

inerte e purgado.

Vou abandoná-la numa ribanceira qualquer,

prenha em amarga decantação.

Vou abdicá-la toda nesse patamar multicolorido

que se diz vida.

Vou perdoá-la toda no galope embriagado

das mais bizarras emoções.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 02/10/2019
Código do texto: T6759046
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