INSOLAÇÃO QUERUBINA
A aventura humana é uma deusa de múltiplos gostos,
múltiplas mãos, múltiplos palcos.
Seu sangue tem voz de porão pra fazer requebrar
os ventos mais arredios, mais surrados.
É aventura tresloucada, de cabelos amarrotados
e olhos cabisbaixos.
Sua sina é derrubar sonhos, num dominó esbaforido
que nunca dorme, nunca se consome, nunca desiste.
A aventura humana esgana quem ousar destravar seus
engates, quem se dispuser a surrupiar seu ar.
É fugaz e afoita sombra à revelia dos vãos
da alma, dos chãos da razão, dos bares de Deus.
A aventura humana menstrua seus poréns sem
perder o tom, nem o apetite.
É fera dopada pelos vaivéns da fé, pelos trôpegos
goles da insensatez mais absurda, mais engasgada.
Seus frangalhos se fartam da insolação querubina
do desquerer-bem, esbravejando essa sina com
parcas querelas de algodão-doce.
A aventura humana delira seus vinténs
sucumbindo ao pó terno da fantasia.
Ela pouco sorve dos tropeços infames da ilusão.
Ela pouco agasalha as ladainhas ocas da paixão.
Faz valer sua varinha de condão numa sonata rouca,
um pesar soturno, num gozo calado e senil.
Da aventura humana, espero, pouco restarei
inerte e purgado.
Vou abandoná-la numa ribanceira qualquer,
prenha em amarga decantação.
Vou abdicá-la toda nesse patamar multicolorido
que se diz vida.
Vou perdoá-la toda no galope embriagado
das mais bizarras emoções.