ALFAIAS DE UM SORRISO TERNO (OU CANTO PARA EIRENE)
I
Em ameno álacre,
feitiço lançaste ao meditar
do artífice que no desertar
de suas letras
à pena habilidade esqueceu.
Adido ao distrair
por alabastrino refulgente
emanado dentre vossos ternos lábios,
a tinta de seu universo
em motu proprio ao
fiel poeta nem mais
uma gota verteu.
Na beldade de perfeita simetria,
cegas meu
horizonte legando belida névoa
a olhos em riste,
mas ávidos de lutas
que há muito a última
vítrea lágrima singela escorreu.
Emanas de teu hálito
sopro sutil lufada,
prenúncio de lúdica borrasca
às resmas e pergaminhos,
sudários do grande atril,
palco de titereiro etopeu.
Na orla de negros cabelos
trazes a refulgente dança
no compasso da
pertinaz brisa,
arremetidos como regentes
da grande epopéia d’um poente corifeu.
II
Da fresta de éreas almeias,
sentiu-se nobre candura,
inocência posta à calma
que aos caídos,
se malditos,
consome-os em vossos ordálios
por suas concupiscências.
Mas a briosos paladinos
em aclames das justas de suas honrarias,
coroa-os pela fidúcia lide cruzada
sob o mantel de vossas reverências.
Que contra a massa de desafamados,
bateu-se gloriosa carga sob clarim de
vosso nome gravado ao pavês legado
de merecidas indulgências.
Os pálios de Atenas destarte se erguem,
embevecidos de sortílego soro que exalas
de teus perfumes,
meros cicerones,
bedéis ao sândalo de teu sabor
em tão amável pele
de angélicas inocências.
III
Mas assustas num átimo
de felizes trovas
ao impelir força
às perras bisagras das
portas de esquecida catedral,
refúgio de amedrontado cantor.
Que dos arcanjos coros banido
fora em livre queda
como um aríete em desgoverno.
Célere raio jogado por terra de gris arval,
ei-lo desasado em lancinante dor.
Couto de santos combalidos,
impotentes ante vagas de carnéas
pústulas e escrófulas,
volvo de náuseas
aos aflitos que anseiam
ali eflúvio louvor.
Chegados de muitos cantos,
famintos da
centelha da vida,
em andrajos bretangis de
antigos cafres,
esperam aos vestíbulos anfitriões,
elegias de som apaziguador.
Algo de amiúde crença
do que há mais belo
entre delicadas flores de remisso jardim
por muitos ultrajado
na impiedade de protervo saqueador.
IV
Se te pareço
em meus ofícios aos
labores deste poema
um pouco prolixo,
incauto visitante,
pergunto-vos doravante,
qual tesouro se deixa ao patíbulo da fé,
em desdém no alcance
de qualquer relaxado mendicante?
Então qual beleza de uma mulher seria
de tão fácil a proclama?
Dizei-me,
oras,
onde achaste provérbio de vã filosofia
ou tresloucada teologia de insano informante!
Pois não há
profundo na Terra que se
compare ao fitar lúbrico
da apaixonada querência,
presente de deuses
às mortais de mundo esfuziante.
Adorno único,
inveja de deusas de eternidade
contrita,
mas de secas pomas,
jamais saciam
sequer o mais prematuro infante.
Portanto,
vos advirto: não se acha respostas
deste pulsar nos astros urdidos,
no marear das agulhas de norteio,
nem tampouco na balestilha ou
aprumado sextante.
Pois nas alfaias de um sorriso terno,
derribei de Júpiter
afiançada égide de minhas forças.
Em descanso de pesado morrião
e às margens deste rio
deitei-me errante.
A fim de que um dia,
aos termos entenda
do motivo deste encanto,
arvorado de meus alvitres
desta louca desventura de Quixote
degredado e vagante.
Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 2009.
DUARTE, Marcos Davi - Incautas e Trovas - Sonhos d'um Artífice de Letras - Rio de Janeiro: Ed. JD⪚ 2015.