JANELA DE TREM

Vi pela janela, o único busto que era possível ver.

Era crível e a tez alva que o guardava

era de inigualável pureza esférica

à luz e na moldura da única janela

daquela casa, uma na vila

e, mesmo assim foi possível vê-la

debruçada no parapeito dela.

Estática presença feminina

debruçada na janela única

fingindo de lá, ver o mundo.

Só seus cabelos compridos, como o trigo,

balançaram ao vento pelo trem trazido

que não parou, passou sem se aperceber.

E inda hoje, depois de tempos sigo

a lembrar-me do quadro que foi possível

nas minhas retinas, instantaneamente reter:

A casinha branca, à direita uma palmeira,

cercada de duas floridas maravilhas

uma rosa, uma branca, ao fundo: Quaresmeiras.

A Janela da casinha, emoldurada de anilina

azul, como o céu todo lá acima,

e o lindo e branco rosto da menina

A cal das paredes era a mesma de sua tez

e o trem ao passar balançou os cabelos douro.

Lembro-me, especialmente da palidez

e do brilho imanente da diáfana luz.

Recordo-me do olhar longínquo

para além do trem, que passou,

esse seria somente outro

que por ali nunca parou

e deixou, eternamente a moça na janela

a esperar o dia em que ela

pudesse, da casinha branca fugir.

Mas hoje quem se importa?

É certo que na casinha branca

só vi uma janela, não vi porta.

Então, hoje eu creio,

cheio de um remorso tolo,

de não te-la socorrido

aquela moça de olhos negros

cabelos longos de trigo,

por ela, ter me atirado nos trilhos

e da casinha branca arrebatado

a menina da janela azul

que hoje, certamente lá habita

e esperançosa inda fita,

das linhas prata do trem o seu rastro

e suspira, arfando o peito

e enxugando o par de olhos,

hoje opaco.

E seus cabelos, outrora dourados, ainda balançam,

agora brancos como da casinha,

as frias paredes, pintadas de cal.

GUI MENDEZ
Enviado por GUI MENDEZ em 30/05/2019
Código do texto: T6660438
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