EU DESERTO
1
Decerto sobrevivi às paixões
ou me irromperam, ignóbeis
- e não o sei? morri ali então,
nas mãos da fé improvável!
2
Penetro só neste mundo de eus
e não me encontro nesse Nous!
Labirinto nas imediações e rumo,
sem norte, pelas outras adjacências.
3
Perambulo assim nesse deserto
de exageradas dunas e seus opostos,
de intenso frio noturno e tépida aridez,
nos abismos profundos e movediços.
4
Sonambulo por essas paragens
e meus movimentos letárgicos
levam-me ao umbral do passado
solitário, inumano e cediço!
5
Serão meus pensamentos
aleivosias mestiças?
ou tristes e submissas alegorias?
6
Creio que a realidade, assim,
pelo viés inaceitável da demência
é fruto de uma superinconsciência
e concluo que o real é fantasia!
7
Decerto sobreviverei ao deserto!
- Areias movediças não deixam rastros!
Assim, sigo em frente e não volto
a palmilhar o braseiro dos anseios!
8
Chegarei por fim de um ciclo,
ao úmido e também deserto
pantanoso lago, profundo e torto.
9
E assim, cadáver submerso,
sigo esse caminho tormentoso
como seguem os perdidos,
os tortuosos e os acham certos!
10
Fujo do ardor e da idolatria
e dos incomensuráveis dias
e da insuportabilidade das horas.
11
Por quê? - ou por quem choras?
Senão por você e sua triste história?
Lacrimeja por sua fria trajetória,
tal qual a eterna jornada de Sísifo?
12
que suporta nos ombros a dura rocha
e sobe as encarpas da morte
e desce ao vale das sombras!
13
Que força poupou para vencer a morte?
E emergir do vale tenebroso e dos escombros?
14
Rondam-me as dúvidas neste lamaçal
e sigo, nadando essa singular hipnose,
mãe pródiga a desperdiçar neuroses
e a parir um sem fim de filhos serviçais.
15
Todos escravizados ao senhor dos mundos,
pai das derradeiras ânsias e dos últimos atos.
Senhor absoluto da desconstrução do todo,
com a idade de bilhões de tempos – Tanatus!
16
Provecto senhor da física transmutação,
detentor único do pedestal da espera,
reversor das ânsias e de indomáveis feras
em simplicidades tranquilas e submissas.
17
Sinto-me só nesse deserto.
Acompanhado somente pela certeza
da coroação do êxtase, o termo.
18
Não creio na existência do Estígio
e no derradeiro barqueiro Caronte,
prevenido, levarei moedas e diamantes.
19
Margino por este deserto solitário
e permito-me assim ser solidário
aos que por ele, sós, também marginam.
20
Quando por fim passar pelos desertos
encontrarei o meu descanso
no pulsar do todo universal.
21
E perceberei, o que hoje desconfio,
que da resultante do inventário da vida
só restarão os bons vinhos e os amigos
e os amores de todas as divas
22
Decerto sobrevivi às paixões
ou me irromperam, ignóbeis
e não o sei, morri ali então,
nas mãos da fé improvável.