DISTOPIA PESSOAL

ser essa mão que trabalha

esse olho que espia relatórios

estar preso no crachá

de funcionário do mês

tudo isso assalta de terror

o menino que um dia

jurou morar para sempre na terra do nunca

não ter uma estrada secreta

um jeito de pilotar uma carruagem de fogo

colecionar banco de horas

que nunca voltarão

para me resgatar para qualquer praia de Acapulco

que nunca saberão remodelar

as rugas do meu rosto

tudo isso ressoa como

a trombeta do juízo final

não ter uma cabana do pânico

uma rebeldia a insinuar uma fuga

dizer amém até em pensamento

reger boletos ao invés de orquestras

temer o fim do mês mais do que o fim da vida

tudo isso é a morte

a nos observar instalada no quarto de hóspede

não ter jubilado com serafins

sorvendo cogumelos em goles

não ter sido declarado rei no atacama

não ter colhido frutos em qualquer floresta

não ter escalado alguma montanha mágica

tudo isso declara guerra urgente

ao menino que ainda resiste

e em mim formula alguma ilusão

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 09/11/2018
Código do texto: T6498790
Classificação de conteúdo: seguro