DISTOPIA PESSOAL
ser essa mão que trabalha
esse olho que espia relatórios
estar preso no crachá
de funcionário do mês
tudo isso assalta de terror
o menino que um dia
jurou morar para sempre na terra do nunca
não ter uma estrada secreta
um jeito de pilotar uma carruagem de fogo
colecionar banco de horas
que nunca voltarão
para me resgatar para qualquer praia de Acapulco
que nunca saberão remodelar
as rugas do meu rosto
tudo isso ressoa como
a trombeta do juízo final
não ter uma cabana do pânico
uma rebeldia a insinuar uma fuga
dizer amém até em pensamento
reger boletos ao invés de orquestras
temer o fim do mês mais do que o fim da vida
tudo isso é a morte
a nos observar instalada no quarto de hóspede
não ter jubilado com serafins
sorvendo cogumelos em goles
não ter sido declarado rei no atacama
não ter colhido frutos em qualquer floresta
não ter escalado alguma montanha mágica
tudo isso declara guerra urgente
ao menino que ainda resiste
e em mim formula alguma ilusão