TENORES DE ARLEQUIM
Aqueles olhos desafiavam os ventos
com suas asas escaldantes de folião vencido.
Eram olhos míseros de pena, agudos de fôlego,
inundados de desafinada paixão.
Quando os vi não acreditei, chorei.
Como podiam ser tão íngremes, serem tão untados
de dor e arrependimento? Com podiam?...
Padeciam de um canto macio qualquer para repousarem.
Padeciam de versos aquecidos para reencontrarem seu viés.
Olhos abruptos, degoladores, desumanos.
Seus tenores de arlequim me atordoavam, e como. E como...
Tentei esmagá-los com o punhal dos meus medos,
com as ancas devolutas da minha redenção, que nada.
Então os engoli, de uma vez só, para que fossem
reduzidos a pó nas catacumbas do meu estômago.
Gritei para o mundo me acudir, me embalar, me perdoar.
Em vão.
Distantes os tempos em que mundos tinham ouvidos
para nossos berrantes, sejam eles quais forem.
Olhos puídos, rendidos, debandados.
Seus versos ariscos sabiam muito bem onde ancorava
meus sonhos - todos eles, cada um deles também.
Então os soergui de pronto, certo de que lá jazia eu mesmo.
Voltamos para casa, entumecidos, prontos para descartar
nossos escárnios mais sutis.
Foi assim que nasci, entremeado pelas querelas vis de dois
seres que padeciam de liberdade.
Desses olhos comidos me fiz criatura, me fiz alma, me fiz pão.
Me fiz estar aqui para vomitar, palavra a palavra, meus confins.
Confins que de mim não têm mais nada,
nunca tiveram.