Labor Onírico
Dorso ao sol, abaixo do meio-dia,
Na ponta da linha d’um ângulo, ah!
Dia a dia, arrancando nabos da terra.
Imaginar o outro. Quanto assombra!
Pensar numa noite, um noir sem crime,
A face da gente, indesejável efeito.
Penoso desejo! Imaginar o outro.
Um baile oculto com primorosa gente e
Vistoso indumento. Desejo, luz imaginária.
Há calor, os calos, há terra fervente e
O campo gritante, imenso e ardente.
Mas a gente, e os prédios, os blocos!
Terra ampla, um bloco flutuante,
No meio da cidade. Um casal ilhado
Boiado na geada gelada da noite.
Ouve-se o riso, a chuva.
No telhado, que não existe
Mas arde, imagina-se.
Pensa-se como lembrança, mas não é.
O ponteiro desvia-se ao horizonte, e
É hora de ir. Sumir na linha aguda duma
Terra irreal, imaginária.
Consumir o pão
Beijar os lábios d’uma mulher abstrata.