Caminhos sem faces

e tudo era o escuro ardente e místico

na casa enlaçada ao entardecer

onde as sombras caminhavam silentes

trazendo pela mão o marulho do anoitecer

momentos de melancolia

ou de enleado e manso desencanto

úmidos de lenta monotonia seminua

talvez de um inconsútil pranto

retalhos de lágrimas

ondas de enganos e medos

escalavrando o véu de um céu imoto

como espinhos cintilantes

costurando alegóricas estrelas

antes era o sonho

onde meus olhos envelheciam

como as flores num vaso

raso

como os dias da vida

envelheciam nus,

ao acaso

antes era o sonho

não mais as noites inquebrantáveis

inesperadas e densas

espiando o sono indefensável

feito de saudades trincadas

feito de lembranças retentivas

hoje quando a vida se ausenta

e me contempla de repente

com os seus olhos de flor

perco-me em rios dissolutos

ando caminhos sem faces

procuro em madrugadas o amor

sou versos impingidos

peroração

sou um homem inconcluso

alheio aos passos da sorte

espero,

em silêncio,

na porta atemporal

o que me trama a morte

gesto e pretexto final