Cadáver do tempo
"sem amor favela chora"
Amotinado em um reino anárquico
com psicoses ocultas, sonetos pobres
e cantilenas desafinadas,
vão os cães poetas a nados.
Os livres versos invertebrados
vão arriscando
riscando pelo asfalto
fúnebre do tempo um teatro racional.
Vejo tempo ruir dentro dos templos
sem para raio,
vejo tempo lá fora, fora de órbita
em orgias matinais.
Tempo passa breve
feito haicai crepuscular
sem lar,
alicerce dos inocentes.
Há muito
não vejo luar rindo.
Sol a empurrar a escuridão
dos olhares dos contemporâneos vis
para a compaixão do doravante.
O tempo é de iPhone na mão,
tempo esse de páginas queimadas,
de e-mail trocados para amigos ausentes,
tempo de vizinho invejoso,
automóveis barulhentos,
paz dentro dos portões
cercados
por rottweiler treinados para matar.
Paisagens de osso na janela
a desdenhar do pobre futuro.
Toscos semblantes dentro do tempo veloz
a cruzarem-se em relampeios vorazes.
Tempo —, essa velha sinfonia esquecida,
de olhar triste no asilo a cantar cirandas
no jardim de ervas daninhas,
a vir os rolézinhos,
a vir a cracolândia,
a vir os campeonatos de natação no asfalto
numa tarde de tempestade,
A ouvir a semântica da vida desfazendo
O verso.
Tempo —, essa velha
com rugas escorrendo entre os dedos
a vir guris bons sabotando,
a vir guris irem pra guerra.
a vir o homem sem chance
mendigar a deuses a quimera.
Houve época
que de fato viver feliz fazia parte
das conquistas humanas.
Hoje o tempo está de luto,
E fede holocausto pela orla apocalíptica.
Cadáveres arrastam-se por entre cidades
famintos, traídos, insones,
prontos a detonarem o desespero.
aBel gOnçalves