PÉTALAS DA POESIA - Livro completo
Autor: Agnaldo Tavares Gomes
APRESENTAÇÃO
Acredito nas oportunidades que a vida nos reserva, não na predestinação, pois o homem tem a plena liberdade em galgar seus próprios passos, tem conhecimento do que lhes traz benefícios ou não a sua vida em harmonia com a humanidade. Em face disso, trago aqui minha poesia, versos que os instantes da vida me fizeram curvar diante ao papel e escrevê-los...
Esperei muito para me definir poeta; esperei o primeiro milagre da vida, a primeira palavra afirmativa de que aquilo que escrevo teve significante valia na vida de alguém... E aprendi que ser poeta não é ser um “artesão do verso”, mas algo além... Ser poeta é ser um “apostolo da verdade”, é viver constantemente aquilo que escreve... Se embrenhar na longa caminhada do grande Saara...
Não é nada fácil, visto que os verdadeiros poetas, em sua maioria, são homens transtornados pela realidade, deprimidos em alguns momentos, privados de certas alegrias... Pois, visto que sua missão quando compreendida é ser um diferencial entre os homens, o mais lúcido dos “loucos”. O apostolado do poeta não é uma viajem na calmaria das águas, mas no oceano turbulento do mundo humano.
“Pétalas da poesia” é minha primeira obra, meu primeiro livro que dou águias de minha gaveta literária.
(As poesias que compõem este livro foram escritas em 2010.)
DEDICATÓRIA
A minha família, aos meus amigos
e amigas que admiram as pétalas da poesia.
ABRINDO O LIVRO DE POEMAS...
Abrindo o livro de poemas encontrei
Um poema simples como as flores
Que não deixam de aflorar seus perfumes
Nos jardins por aí a fora...
Um poema como um cálice transbordado
Uma avezinha no céu voando...
Um poema desiludido de tudo
Sem compromisso algum
A não ser o de ser poema...
Um poema encontrado, bradado
Enlaçado na língua do poeta – seu autor.
O POEMA
O poema me traz angústia e alívio
Ódio e ternura
Tédio e riso...
Me embriaga a alma
Me acalma os nervos
Me mata, eterniza
Me traz morte e vida...
O poema me é âmago
Sócio do eu poeta
Irmão, amante
Cúmplice da dor e da alegria...
Do trago na mesma taça
Da mesa farta em melancolias...
O poema/poeta é em si mesmo
Poesia.
PÉTALAS DA POESIA
Quero começar do mais simples
E fazer desse simples o sublime.
Quero me deitar, seja por sobre uma rede
Ou por sobre uma esteira
Mas sempre com o olhar ao céu,
Direcionado às estrelas...
Quero rir na alegria de um louco;
De um louco lúcido da alegria que se tem
– essa alegria de viver.
Quero recomeçar de novo quando fraquejar
E não quero fraquejar jamais.
Quero ser forte mesmo que eu seja frágil.
Não quero morrer num naufrágio...
Quero a esperança contrita comigo
E na esperança encontrar a fé
E com a fé remover a mais alta montanha.
Quero não ter medo de nada – nem mesmo de morrer.
E quero fazer do nada um bom motivo para recomeçar.
Quero ter a visão do infinito
Mesmo sendo eu, nessa vida, finito;
Saber discernir o bem do mal
E o mau do bom
Não em questão de como se escreve,
Mas em questão de amor, de como se ama.
Quero não mais sentir esse vazio,
Essa alegria retraída
Se for preciso, não festejar mais o carnaval
Fugindo do pós, do tédio total.
Quero a felicidade,
A liberdade de abrir a janela ao meu jardim
E ter a certeza de um novo dia
Nas asas de uma borboleta,
Nas pétalas da poesia.
PARA QUEM AMA...
... não há distância de mundos
Seu amor é o mais bonito e o maior de todo o mundo.
... os anos não passam; se eternizam,
Transformam se em páginas de bons livros.
... há sempre um restinho de esperança,
Uma pequena brecha de onde se vê o sonho já posto no lugar ideal.
... o amor é sempre o tudo
E o tudo é sempre o amor que se tem
– aquele maior do mundo.
... o sorriso é gratuito,
Sorri-se até mesmo da própria besteira;
Vive sempre em brincadeira – sem faltar à verdade.
... não deixa de amar por falta de cama
Porque a chama...
A chama da paixão está sempre acesa
É ela quem chama pra se amar.
... não há momento certo pra amar;
Ama a todo segundo – o amor sempre está no ar!
Para quem ama...
Ama assim igual a mim te ama.
“O meu amor por você é feito de todos os amores
que já tive”.
REBELAR
Vou-me esquecer de tudo!...
Das ilusões que não me levam a nada,
Das paixões, desesperanças...
Vou buscar o meu mundo...
Fugindo das coisas sórdidas, absurdas, fugazes...
Entregue a leitura ótica do tempo
Deixar que me leiam completamente.
Vou-me rebelar!...
Quebrar os cadeados que me trancafiam,
Derrubar os portões, os muros...
Andar nu como nascido.
Vou-me atirar de asa-delta montanha a baixo...
Quero estar mais perto dos pássaros,
Vertebrados aéreos, inofensivos.
Quero estar perto de Deus!
Adentrar no céu de pára-quedas caindo-se para cima...
Quero a loucura sábia não deste mundo.
Quero Cristo!
TEU NOME
Escrevo na areia da praia
Na névoa do inverno
Nas montanhas do Himalaia
Nas margens do meu caderno.
Escrevo nos muros da cidade
Nos troncos das árvores
Nos espalhados cartazes:
Nas ruas, nas praças...
Nas cavidades da lua – escrevo.
Escrevo nas infinitas águas
Do oceano Pacífico
Na imensa linha do Meridiano de Greenwich.
Escrevo no céu de outono
Na Cordilheira do Andes
No cume do Osorno
Nas paisagens de Londres.
Escrevo nas dunas do Marrocos
Nos espaços do universo
Em tudo que mais gosto
Escrevo em versos...
Escrevo “teu nome”.
A MULHER QUE AMO
A mulher que amo é feita de felicidade
Tem tudo pra eu ser feliz:
Nariz pro meu nariz,
Serenidade...
A mulher que amo sabe dançar
E é tão linda quando dança...
Parece uma criança,
Parece brincar.
A mulher que amo é uma borboleta-mulher
E é tão divertido vê-la voar
Assim, no ar...
Como bem quer.
A mulher que amo quando me beija
Me deixa na boca o doce
Da sua face:
Flor de cereja.
A mulher que amo é completa:
Vive de fantasia,
Realidade e poesia...
E é uma mulher perfeita, suficiente para um poeta.
OS PÉS
Os pés vão pelas ruas...
Vão se os pés pelas ruas:
Para lá, para cá
Vão se assim sem intervalo...
Ou melhor, sem parar.
Pés nos sapatos;
Nos sapatos vermelhos,
Amarelos,
Marrons...
Vão se os pés ficam os sons.
Pés nos tamancos:
Nos tamancos brancos,
Nos tamancos com saltos...
“Olha o assalto!”
Vão se os pés para o alto.
MULHER
Mulher, tu és a fonte mais pura
Por onde jorras a vida.
Jorrei-me de ti, e hoje sou esta figura:
Uns me dizem poeta, outros artista.
Sem ti, mulher, não haverias
Verso no papel dos meus versos.
Quem me diria esta simples poesia.
Simples mas sublime quanto ao universo.
Mulher, eu nasci de ti poeta.
Sou poeta! E sendo poeta escrevo a ti
Pois tu és a minha poesia completa.
Perdão, mulher, se algum sujeito escreveu
Que tu és, tão somente, uma fábrica de filhos.
Creio, ele tenha escrito, mas não leu
Ou desconhece os encantos teus.
Mulher, tu és a mulher rendeira,
a mulher copeira, engenheira, companheira;
Tu és a mulher saudosa, generosa, esplendorosa;
Tu és mãe, filha, irmã, esposa;
És simplesmente... sublime mulher.
MOMENTO NUPCIAL
Desfeito o laço
O corpo desnudo
O olhar consumível
Devora o corpo...
Quebra-se o lacre
Desfaz-se o pacto
Perpetua-se o momento.
O VIAJANTE
Ir... vou.
Vou ir adiante
Buscar um diamante
Para o meu amor.
Vou longe
Muito longe
Bem distante...
Nesse instante
Não minto.
Estou literalmente romântico,
feliz e triste.
Vou ir,
Rir por aí...
Estou feliz!
Não conheço Paris
Mas sei bem focar o meu nariz.
Vou indo
Sorrindo...
Pela rua
Nua
(nuinha)
Cantando à lua,
Contando estrelas
Elas
Tantas
Infinitas...
RETRATO
A poeira alteia do chão clemente
E traz consigo a fome e a sede
Nos olhos do homem e do rebanho
Que vão de encontro a uma nascente...
- Sabe lá Deus onde!...
Cabras magras, pesteadas
Pastam a tocar gongolos...
Uma mão na fronte e a outra ao cajado
Assim vai o homem encorajado.
O pasto seco, o rio por fim
O rebanho tosquiado...
Badaladas do sino na torre da igreja...
É dia de missa! Dia de festa no vilarejo.
O Vigário preside. O Bispo visita.
Os fiéis carregam o padroeiro...
A procissão às ruas fervorosa.
O povo contrito. A imagem do Cristo.
A devoção.
Meninos maltrapilhos, remelentos
Misturados ao pó do chão;
Homens de chapeis ao peito;
Mulheres com terços nas mãos...
- Cada sertanejo tem sua cruz!...
O chão quente. A poeira. A fé.
A penitência da gente. O sonho em ser...
Pés descalços, calejados;
Rostos tristes sujos de pó;
Corpos miseráveis, disformes,
Esqueléticos, desnutridos.
Olhos esfomeados!...
- Tela dramática à Portinari!...
Enquanto às ruas a procissão segue
Em meio ao sertão o pastor e o rebanho
Migram por água e pastos melhores...
Ao ouvir o sermão do Vigário
O pastor pára por um instante,
Benze o corpo e continua...
- Cada sertanejo tem seu calvário!...
O sol braseiro no semi-árido
A fome. A seca. A luta do homem
O sofrimento. O drama. A partilha do pouco
A devoção. A fé no padroeiro
A esperança na flor do juazeiro...
Tudo compõe o cenário-sertão
Onde cada parte é fiel ao retrato.
UM JESUS ANDARILHO
O chão clemente do sertão
Tem a face do Cristo vivo:
Cristo que abre os braços,
Cristo que verga à cruz:
Água...
O sertão tem sede (Cristo tem sede)
De sandálias de sola
Correia entre os dedos
Às entranhas sujas de pó
Andarilha um Jesus sertanejo
Nas veredas do sertão em busca de vida...
Rezou o rosário
Fez-se a penitência
A chuva não veio
À beira da casa morreu o juazeiro,
Menos o mandacaru
Talvez essa planta que resiste à seca
É como o sertanejo na fé.
A criança chora
A fome apertou (Cristo tem fome)
A mãe desespera: “minha Nossa Senhora”!
Lhe serve a vizinha.
O sol arde às costas
Do Jesus andarilho
Que carrega sua cruz num imenso calvário...
Ele sabe que os rachos
No chão do sertão
São as chagas do Cristo.
PEQUENO CRISTO
Pequenos dedos embolados a saia da mãe...
Soluços profundos
Lágrimas contidas
Olhar de um Cristo pregado na cruz...
Cérebro paralítico
Corpo pluma – já não se sente.
Súbito desmaio...
A fome transpassa o coração do menino.
MUDANÇA
Mulher...
Tu sempre fazes de mim o que tu queres...
Apronta-me: manda e desmanda,
“Faz de mim gato e sapato”
e não se contenta.
Um dia tu te arrependes
Um dia em que eu me envelhecer...
E tu, mulher,
Ver-me com os olhos postos à janela
- o teu poeta dizendo partir...
Daí tu mudas, tu dizes que me amas, que sempre me amastes e que jamais virás sem mim...
E eu, no meu último sorriso, irei dizer-te simplesmente:
“Se acalme meu bem, eu já sabia”!...
HOMEM
Homens imprestáveis!...
Deixados de lado sem respeito apregoados
Humilhados...
Andam pelas ruas a vagar
vertidos ordinários devoram cartazes
Deprimem-se...
Homens miserados!...
Sem dignidade
Embalde na vida...
Já não há mais cartazes nas ruas que lhes tragam aos olhos
uma esperança mínima
Há uma tempestuosa nuvem compondo-se...
O filho chora... O leite acabou!
A mulher desespera... A conta atrasou!
O mercado estourou... Comprar já não pode!
Já não pode morar... O aluguel triplicou!
Despencar de um penhasco...?
Atirar contra o peito...?
Jogar-se da torre...?
Dar-se a forca...?
E o filho?... E a mulher?...
Furtar o mercado...?
Arrombar os cofres...?
Assaltar os carros...?
Abordar os pedestres...?
E o filho?... E a mulher?...
Na cabeça do homem o diabo opera...
Quem faz o diabo é a miséria.
CONTEMPORÂNEO
Eu sou o poeta desta juventude!...
O moço liberto do poema único, real, verdadeiro.
A mocidade me sorri, me abre os braços...
Me estende os olhos, me aplaude...
Eu sou o poeta desta geração digital!...
Computadorizada
De livros virtuais, namoro e sexo.
Epidêmico, assustado, preconceituoso
Atômico, inflamável, arriscoso...
Eu sou o poeta deste tempo sequestrado!...
Sedentário, cronometrado...
Eu sou o poeta deste crono.
POÉTICA
Ela me veio despida, sem máscaras
Como nascida – nua.
Eu a apreciar no espaço
Qual uma estrela perdida na rua...
Ela não é prostituta alheia
Não teia o peito de outro - só o meu
Não é feia e nem linda - é minha
Diferente de qualquer mulher.
Ela não desperta os olhos de outro poeta
É morta e fria, sem vida...
Fiel a mim
No mel
No fel
No fim.
O FALSO MAGO
Admiro a máscara do “político”
O como consegue esconder seu rosto feio às criancinhas
E não as assustam, não as fazem chorar...
Vêm sempre enfeitados como o “bom velhinho”
- o velhinho do polo Norte.
Traz às costas um enorme saco
Onde cabe toda a ilusão
Capaz de encher um país...
Mas este ”velhinho” não é o “bom velhinho”
Não traz presentes... Traz inventos!
Talvez um falso mago do Oriente.
Criancinhas!... Não bote o sapatinho na janela
Antes da véspera do Natal
Porque o “mau velhinho"
– aquele de barbas curtas,
Pode levá-lo...
Triste final.
EGOÍSTA
Sempre um herói a morrer num mundo louco!...
Morri sem ânimo, desiludido...
Um herói só não faz metamorfose.
As florestas morrem...
Morrem os sabiás do poema de Gonçalves...
Minha terra não terá palmeiras
Nem sabiás, nem poetas
Terás carvão, areia, fósseis humanos...
Continuemos assim sedentários no próprio eu
Esperando que uma criança nasça
E nos libertem dos grilhões do egoísmo...
Mas o tempo é curto
O fogo é rápido
A serra elétrica
E a criança...
Ainda um plano.
QUERIA UM POEMA
Queria um poema alegre,
cheio de cores, de rima, de risos...
Que contasse a mesma alegria que o circo
com toda a graça do palhaço
no sorriso do menino.
Queria fazer um poema breve
mas que falasse tudo,
mesmo que fossem dois versos
– o menor poema do mundo!
Dois versos quais dois bailarinos
ritmados a danças...
Queria um poema acalento
que chegasse bem perto
e tocasse no rosto com mãos de neve...
Não por serem frias, mas por ter a maciez
dos dedos do amor...
– mãos de anjos!...
Queria fazer um poema que edificasse os homens
Que fosse luz, encanto,
cheio de paixão!...
Que livrasse o corpo da ardência do pecado...
Um poema santificado!...
Queria um poema modelo
Que fosse uma oração cheia de paz
e nele pudessem ver o Cristo ressuscitado
com todo o esplendor de luz...
E aos seus pés, nós criminosos, suicidas,
infiéis, bêbados, amantes...
implorasse de todo o seu o perdão.
Queria um poema desnudo de malicias
como duas crianças a brincar...
O amor que elas compartilham
e que só elas compreendem...
A verdade desse amor.
Talvez eu não seja o poeta a escrever este poema
Ou talvez já o tenham escrito...
Ou até mesmo,
ele esteja em mim.
INDIGENTE
Cortou o arame
derrubou o cercado
curvou-se ao chão
encheu a mão
de um punhado...
(aquele homem acampado)
Ergueu ao céu
gritou com força
levando a mão
ao peito seu
(aquele homem acampado)
Chorou de fome
dormiu calado
não sei seu nome
nem seu falado
o que ele come
qual seu Estado
(aquele homem acampado)
Um dia um tiro
ganhou seu peito
naquele leito
aquele homem foi enterrado.
O SUJEITO
O sujeito deste poema converteu-se a bandido:
trocou o terço pelas algemas
a dignidade pelo tráfico
o Deus pelo demônio...
Rebelou-se
ganhou fuga
e não se sabe mais...
Talvez tenha perdido a vida num fronte
bateu com a cabeça no meio-fio...
ou quem sabe, converteu-se de novo a homem bom:
virou pastor ou padre ou monge...
ou defensor de uma causa justa.
Quem o sabe?...
PEQUENA POETISA
Abraçou os dedinhos ao lápis
pôs os olhinhos à janela
E brincou lá fora...
Correu no jardim encantado
Brincou de roda com as rosas
Voou com as borboletas e...
Acabou por fim
Dormindo sobre seu caderninho de poemas...
O MENINO TRISTE
Os tristes olhos do menino lançam-se
De dentro de seu mundo pequenino para fora de si...
Para a vida presente e injusta.
Tristes olhos de um menino que nunca soubera escrever...
– não sei como lê os cartazes e outdoors.
AS ROSAS
Desabotoam as rosas lá fora...
É noite!... Não importa
As rosas não dormem na primavera
Está sempre à espera do orvalho – seu fiel amante.
Seus perfumes são almas delicadas
Que as noites vagam pelas ruas desertas
A procura do amante predileto
Que lhes tragam a eternidade
Sob a pele de algum verso...
Correm a uma casa onde as luzes cansadas
Vela a insônia de um homem à sós
Tendo à mão um objeto de escrita
Os olhos longes a espera perpétua...
Faz sua dança de atração... – erótica
A inspiração deste homem
Que aparenta ser poeta.
PEQUENA ORAÇÃO
Lábios abertos
Olhos encobertos
Assovios nos céus
As sirenes de novo!...
Meu Deus!
Guardai-me
Guardai as crianças
Guardai os idosos...
Socorrei-me!
Socorrei os feridos
socorrei os apuros...
Meu Deus!
Socorrei-vos!...
PRENÚNCIO
Ontem o “homem” poderia ter acordado para hoje
E ter aberto a janela do amanhã...
Lá fora poderia haver girassóis bem altos...
Árvores com folhas verdes
Onde pássaros pusessem seus ninhos e assuntassem,
Sem receio,
A vida correr sob suas asas...
Mas o “homem” ignorou seu ser,
Tornou predador de si mesmo.
E agora que não há mais girassóis nos quintais...
Nem quintais
Nem árvores
Nem pássaros
O “homem” cismou de ser homem.
PENITENTES
Olhos gastos de olhar o horizonte...
De buscar uma luz que seja luz
Que brilhe tão firme e tão forte
Como o sol que reina no sertão.
Tristeza
Desanimo
Dor
Fome
Sede
Fé!
Na sequidão abrangente que divide o chão
Pés vagam a fugir do calor...
– como se pisam em brasas.
Gotas de suor se desfazem ao rosto
Lágrimas não chegam aos lábios
A fome e a sede, a penitência...
Uma oração
Um grito desesperado misturado a um choro fúnebre...
É a morte!
Presença constante entre os vivos.
PARA A VIDA
Estou para a vida como a rosa para o orvalho
e para os espinhos;
Como a brisa para a terra e para o mar;
Os pássaros para o ninho e para o ar...
Estou para a vida como o campo para as flores
e não para as minas;
O teatro para os atores
e os versos para a poesia...
Estou para a vida como o bom vinho para a velhice;
Os acordes para a canção;
O palhaço para o circo,
para a alegria do riso...
Estou para a vida ora para ser sacrificado
Ora liberto
Ora desnorteado
Ora proclamado
Ora pedinte
Ora generoso...
Estou para a vida para ser entregue aos leões
e para as flores;
Para ser crucificado
e embalsamado;
Para ser esquecido
e lembrado...
Estou para a vida para mim e para o outro;
Para amar e não desamar;
para perdoar e ser perdoado...
Enfim,
estou para a vida
e a vida para mim.
ANTOLOGIA DE QUINTANA
(ao centenário do poeta Mario Quintana)
O que traduz a alma das flores é o poema.
Decerto, o poema de Quintana:
Leve e transparente, por fora e por dentro;
Encantado e inocente como,
“O CIRCO O MENINO A VIDA”
Belo e... belo como “EU FIZ UM POEMA belo
E alto
Como um girassol de Van Gogh”.
A poética de Quintana é uma completa
“ANTOLOGIA POÉTICA”.
Um jardim com flores diversas, flores com almas.
Jardim aonde chega e pousa “OS POEMAS”.
Não bula no poeta Quintana,
Deixe-o sozinho com os seus pássaros...
Seus caminhos... Suas nuvens...
Ficar assim, horas inteiras,
Fumando e olhando as lentas espirais...
Em paz diante da janela aberta.
Com sua caneta cor das venezianas – verde!...
Deixa o poeta ser aquele de Alegrete
Aquele gaúcho alegre e triste,
Porque acredito que todo poeta é assim,
Ou deve ser assim.
Deixa o Mário quinta, sexta, sábado...
Falar do poema, mesmo que seja
“Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza”.
Deixa-o ali, por instante fugido ao “Velho”,
A contemplar a mancha verde no muro sépia,
Vê a nuvenzinha lá no céu perdida...
E não o chamem de louco.
“Loucura é pensar que a vida é feita de idéias
E não de imagens”.
AQUI UM POETA
Aqui um poeta sem sol nos olhos
Sal no riso
Céu sobre o chapéu sob o arco-íris...
Um poeta sem sonhos
Sem Musa
Sem blusa pra tanto frio...
Aqui um poeta cansado
Sem forças pra ir além
Do próprio passo...
Sem coragem de pôr os olhos à vidraça
E brincar lá fora
Na neve que cai na rua
E desmancha a lua na poça d’água...
Aqui um poeta com medo
Acuado num canto
Um tanto mudo
Ausente do mundo...
Aqui um poeta pávido
Pálido o rosto
Amargo o lábio
Triste os olhos...
Aqui um poeta caduco
Do mundo velho
Sem espelho
Pra olhar as faces...
Aqui um poeta estático
Apático
Na oficina de um escultor bêbedo...
Um poeta falido, desvalido
Sem sequer um amigo
Pra um café
frio.
VENDEDOR DE SORRISOS
Um vendedor de sorrisos passa na minha rua
A cantar sorrisos por aí a fora...
Eu que sempre fui poeta, não acredito na lua
Sempre à janela a me dizer a hora...
Por que tanta alegria neste mundo torto?
Tanto gargalhar histérico, irônico?
Tantos soluços convulsivos e eu, quase morto
Olhando no espelho meu rosto cômico...
Não sou só eu que encontra graça
Sob as pálpebras de um homem poético...
Mas mais ridículo que o poeta amoroso
É o político patético em comício – nada ético.
MEUS SÓIS... (a uma poetisa)
Meus sóis?...
Não tenho tido sóis nos últimos dias
Foram-me as alegrias na última primavera...
Estou a sós, comigo, numa espera interminável!...
Ah, girassóis que não giram mais...
Pétalas que murcharam aos murmúrios...
Néctares sem perfumes... Quintais
Sem a alvura celeste dos altos lírios...
Ai de mim que já não rio com largura infinita!...
Ai dos meus cantos tão sofridos!... Das noites nuas.
Ai dos meus ais!... Ai de ti lua
Que me escuta os gemidos passivamente!...
Será assim o destino – tão cruel.
Ao menino que sonhou um dia ser apenas
Um dos heróis do mundo?
VERSOS SOLTOS
São famintos meus versos...
Palavras me são extintas
Tinta para escrever não me falta
Não assopro flauta para adormecer...
– Se bem que, não sei assoprar flauta.
Mas não preciso aprender a assoprar flauta
Para ser feliz.
Meu nariz não é curto e nem cumprido
Não me chamo Pinóquio
Uso óculos e não binóculos
Para enxergar o que dizem as palavras...
Não sou filosofo - acho que não.
Pouco sei de Sócrates e Platão
Tenho apego a verdade
A simplicidade nos olhos moços...
Almoço, janto e lancho...
No rancho onde exilo
O cafezinho é primordial
Pão de sal amanteigado
Gato desatando meu cadarço...
Já fui feliz em tempos outros
Hoje triste aborrecido...
Se quiser ser meu amigo, por favor,
Não bula no meu humor!...
Nunca fui bom ator
Por não saber simplesmente
Ser bom ator...
Amo o teatro, as artes plásticas, o cinema
E teimo em escrever poemas...
Acredito sempre
Que para ser bom poeta
É preciso convencer-se
Que nenhum verso é perfeito
São frutos da imperfeição do poeta.
A CADA...
A cada passo um paralelo
A cada curva uma esquina
Cada retina
Uma cor amarela...
A cada monge um santo místico
A cada boêmio um anjo torto
Cada artístico
Uma arte, um vulto...
A cada mãe um coração generoso
A cada pai um caráter a serviço
Cada moço
Um vício...
A cada mulher uma menina
A cada homem um menino
Cada felina
Um felino...
A cada traço um desenho
A cada palavra um verso
Cada engenho
Um universo!
A cada toada um rebanho
A cada pastor um cajado
Cada algo estranho
Achado...
A cada palhaço um riso cômico
A cada homem um choro trágico
Cada manicômio – enfim.
Um louco mágico!
A VERDADE DAS FLORES
“A vida é tão bela que chega a dar medo”
(Mario Quintana)
Não mais falei das flores com o olhar de primavera...
Quase sempre esquecido de mim tenho olhado o céu
Das noites de outono sem aquele encanto de olhá-las
Meio que espantado de tantas estrelas!
Mas tenho vivido acreditando nos sorrisos...
Se os são falsificados prefiro morrer no engano
Jamais quero a certeza dos desenganos!
Eu que tenho buscado a verdade das coisas
Buscado a verdade incansavelmente...
Seria ridículo morrer no engano – mesmo que preferisse.
Oh, é primavera! As flores riem, e não são irônicas...
Há uma verdade em cada pétala
Uma verdade nua – e chega a perfumar!
Quero a verdade das flores nas faces humanas!
Me perder numa noite – de outono – em meio as estrelas...
Espantado de tanta beleza!
O OLHO
Bem se diz a poetisa Cecília:
“O Olho é um teatro por dentro”
Que versos sensatos! Magníficos!...
Um teatro enganoso devera:
O Olho que aparenta lustroso
guarda dentro um dramalhão tenebroso...
O Olho pode enganar o mundo!
Absurdo?... Não! Verdade...
Palavras estudadas...
Há olhares que se mostram estrelas;
há estrelas que não se mostram olhares...
Olhares falsificados por fora – reais por dentro.
Estrelas que riem ironicamente...
Pérolas imersas no sarcasmo...
Borbulhar no oceano do cinismo!...
Esteja-te atento ao Olho que te olha!
Não faça como fiz: erroneamente...
Falei dos olhos sem conhecer o teatro de dentro.
ALCANÇAR ESTRELAS
Pra ser feliz na vida é preciso aprender
Que simples gestos são fundamentais
Que um sorriso sincero opera milagres!
Que num abraço está o conforto a um coração que sofre...
Ser livre pra alcançar estrelas não é ser ridículo;
Ser ridículo é ignorá-las!...
Não é preciso ser poeta pra ser poético;
É preciso reparar nas flores!...
Que um beijo no rosto não quer dizer “compromisso”
Que a palavras “relação” não está restrita;
Que amigos podem – e devem
Relacionar-se como bons amigos!...
SERENATA DO SILÊNCIO
A serenata do silêncio nos paralisa,
Imobiliza nossas ações...
E como estátua numa praça pública
Ouvimos quietos discursos partidários...
Eu, qual Drummond, intitulado anarquista,
Deixo-me no silêncio contemplado:
Pernas cruzadas, olhos distante...
Espero uma resposta que traduza
A minha incapacidade de um passo além
Do outro passo inda ao ensaio...
O MENINO
Ele sonhava... – acreditava no impossível!
Desenhou um castelo à lápis,
E pôs seu projeto em prática.
As mãozinhas na areia ajuntando...
Um reparo aqui, outro ali e o castelo já pronto!
– seu sorriso também...
Mas, não tinou o menino que à noitinha as ondas viriam
E lavaria com elas seu castelo de sonhos...
Resta ao menino então, reconstruir seu castelo
longe das ondas...
TUA AUSÊNCIA
A tua ausência é coisa que não me atrai
Não me acostumo aos suspiros frenéticos
Que o coração sofre enquanto distrai
O meu olhar neutral, meio patético...
Prefiro suspirar na presença que na ausência
Nessa angústia de ter-te tão longe – distante...
Mesmo que baixinho pra que não perceba
O meu amor tão grande e crescente...
Prefiro compor versos olhando-te e rindo
De tua meninice mais pra adolescente...
Esse jeitinho que me fissura
A olhar-te, somente ti, unicamente...
Prefiro não ter-te na presença que na ausência
Mesmo que teus olhos ocultem algo
Talvez um labirinto que leve um dia
A ter-te na presença mais que presente!...
Se é pra não ter-te que não seja na ausência.
É TER CALMA
Olhos tristes
Vazio n’alma
Vontade de ir embora...
Mas pra onde?
É ter calma...
Um dia a estação flora
Chega o bonde
E tudo...
Tudo se ajeita.
O MAIS SIMPLES DOS POEMAS
Queria dizer do meu amor que fosse eterno
E não o inferno que me rouba a alma...
Queria que tivesse olhos ternos
Que me acolhesse na sua calma...
Que medo não tivesse
Nem receio
Nem orgulho...
Que dividisse comigo
Nos domingos
Um chocolate...
Que não se importasse com bobagens
Tipo: “você nunca me levou à Paris”.
Que esse amor acreditasse apenas
No mais simples dos poemas.
A felicidade não é uma coisa que se compra,
Mas uma graça que se recebe do amor.
ESFRIANDO
Se eu morrer assim:
com o olhar posto à janela,
Enquanto a xícara com o café se esfria
por sobre a mesa,
Morrerei feliz...
Sabendo que algo me espera,
Mesmo se esfriando...
IMPULSO
Às vezes, nos dar vontade de partir...
- Mas partir para onde?
Não sei... Talvez para o infinito...
- Mas o infinito parece-me ser tão longe.
É que às vezes nos dar uma vontade de caminhar longamente,
Ver o tempo passar diante aos olhos,
As coisas se moverem...
Enfim,
Viver a vida na única e presente esperança
De encontrar no caminho ao infinito
Um cantinho de felicidade,
Mesmo que jamais.
O MEU AMOR
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
(Saint-Exupéry)
O meu amor é uma criança que precisa ser cuidada...
Cuide bem do meu amor como se cuidasse
De O Pequeno Príncipe de Saint Exupéry.
É tão frágil... Tão simples... Tão natural...
E é preciso ser levado nos teus braços ao poço
Onde possa beber da aguinha encantada...
“Oh, meu pedacinho de gente, meu amor
Como eu gosto de ouvir esse riso!...”
O meu amor é um pássaro que precisa ganhar asas...
Cuide bem do meu amor – cuide mesmo!
E aos pouquinhos deixe o voar do cativo...
Para onde fores te recordarás... – amarás!
Como àquela flor que amou o principezinho...