O gramado é verde esmeralda, céu dos estádios
arquibancadas cheias, sonhos de tantos
no grito que saúda o drible
a emoção suspensa na cobrança da falta...
Queria estar lá dentro
ser eu o furacão e a finta,
meu o pé do passe mais que perfeito...
Mas não sou Pelé
que pena!
não tenho sangue negro...


E que dizer da harmonia incandescente
de um sax dolente, cortante
na tarde que chove lembranças
da noite em que nos apaixonamos?
Queria ser eu a improvisar devaneios,
à caça da mítica nota pulsante, sempre mais adiante
Mas não sou Charlie Parker
que lástima!
falta-me sangue negro...


E a voz tonitruante e cálida
a cantar Minas e tantos mesmos Brasis
nesta travessia do que se espera e se pode existir.
Não tenho esta voz, missão
barroca, moderna, amante, sincera
pois não sou Milton Nascimento 
(quem dera!).

E na Bahia de onde vim (e sempre volto)
a refazenda dos mistérios é sempre solar
mesmo para quem não tem fé
e, descrente, não sabe e nem viu
eu rezo uma oração temente
pois não sou Gilberto Gil.

E se me perturba a prisão do homem que sente
na pele d'alma (a que importa) a fechadura implacável
de mil álibis e seculares portas
falta-me o engenho de saber delas
o manejo da coragem intrépida
Mas, que fazer?
Não sou Nelson Mandela...

Falta-me aquilo tudo que digo
e vejo o mundo a desmoronar em equívocos
Ergo o braço, a clava, a poesia é porvir
sou branco, colonizador, também escravo
sou o irmão mais novo de Zumbi.