MEUS FIOS TORCIDOS DE FULIGEM
Sou poeta pelas minhas penas,
pelos meus mugidos, pelos meus porões.
Sou poeta porque mal entendo das cores, das curvas,
dos gostos, das ladainhas do mundo.
Sou poeta assim, meio decrépito, meio sem noção,
mas por certo convés dos meus próprios furacões.
Sou poeta pelos meus fios torcidos de fuligem,
pelos meus resvalos sorrateiros de uma fé tosca,
mas por isso mesmo plenamente triunfal.
Sou poeta pelos meus capengados sopetões,
pelas clavas bêbadas que tento ungir, sem nunca conseguir.
Sou poeta por ser filho das penumbras, dos corvos do pecado,
das rendas encardidas do nunca desistir.
Sou poeta porque sou fruto das mães mal paridas que, em vão, espremo até nada mais restar.
Sou poeta pelos meus leques de cetim, ajambrados nos quitutes deliciosos de um lanche de tarde, gostoso como ele só.
Sou poeta pelas aparas berrantes do quero mais,
que teimo em relar, fazendo isso com medo danado.
Sou poeta porque tento ser capaz de entreter meus engasgos,
meus collants de gergelim, minhas conversas senis que nunca vou demitir, nem temperar.
Sou poeta pelos meus quatro cantos, meus vãos quebradiços de chouriço barato, e o que mais quiserem misturar.
Sou poeta pelas escarradas absurdas que tentarei flertar entre um gole de gim e outro de cachaça.
Sou poeta pelas quimeras douradas que Deus teima em impingir nos moleques de rua que habitam meus sangues, sem pedir licença, nem bênção.
Sou poeta porque pouco reconheço de mim quando me toco, me roço, me prenho por certo, me vendo por certo.
Sou poeta pelas desculpas esfarrapadas que laço dos meus sonhos, feito romã despencando de um defunto qualquer.
Sou poeta porque me faço cabide só pra segurar as dores do mundo.
Sou poeta porque desengato meus querubins daquilo que chamam de amor, ou do que mais quiserem.
Sou poeta porque morro um pouco cada vez que escrevo uma palavra a mais.
Só pra nascer de novo. E nada mais.
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