SONHO COVARDE
A coragem é uma forma de copiar o futuro.
Salte o precipício e vê se início há
Enfrente o cão bravio e sinta-se adestrado
Domesticamente mudo, murcho, atado.
Prepare-se para o tempo
Convença-nos
Encontre-nos por aí e resmungue de passagem:
– difícil é não ser traído pela memória alheia.
Sinta-se um feriado inteiro
Ou rogue-se o fim de semana
O seu olhar emana medo
De um paraquedas lhe bater à porta,
– quem é? – diz-se a si, atento,
– por qual indiferença nos apreciamos tanto?
Caia solitariamente,
Pois, daqui da frente,
Eu faço um retrato!
Dir-se-á a quem não comunga
Da mesma nota
Do seu mundo.
– e não se esqueça de exibir os dentes,
é preciso sair bem na fotografia.
Sempre.
Tirar a melodia das frases
Deixá-las sem peso
É preciso coragem
É preciso zelo
Tanto faz qual é o meio
Os homens do futuro moram na antiguidade.
Quebrar o ritmo, a voz, o jeito,
Fazer filosofia à base de frase de efeito.
Enfiar uma rima à toa
E achar que o discurso é perfeito.
No curso desse pavio a chama é mero defeito.
A calmaria de um rio se reconhece pelo leito.
É cruel não sentir fome
Mais ainda se o receio
De não poder dormir a noite
Está nas costas de quem dorme
Ou na consciência do mundo inteiro.
O mal da gente mal se importa,
O mal da gente é a coragem fraseada no muro alheio
O mal da gente é o futuro na memória de quem resmunga
O mal da gente é o paraquedas que não abre nem a porta
O mal da gente ainda não veio
O mal da gente afunda
O mal da gente nunca chega atrasado:
– a covardia é a pior forma de adiantar o passado.