Um poema em um dia de chuva
Escrevo um poema em um dia de chuva
Mas não escrevo sobre a chuva
Embora chova, no poema não chove
Mas chove sobre o telhado, sobre as plantas
Sobre as ruas, sobre os guarda-chuvas
Sobre as pessoas sem teto, sobre a saudade
Mas não chove sobre o poema que escrevo
Enquanto chove encima de tudo
Escrevo um poema em um dia de chuva
Há mais de uma semana chove na cidade
Embora necessária, a chuva é melancólica
Não bem vinda, não trás alegria, escorre
E chove sobre todos: brancos, pretos, amarelos
Sobre os barracos, sobre os casarões, sobre o nada
Chove nas praças, atrás das vidraças, chove e chove
Mas não chove sobre o poema que escrevo
Escrevo um poema em um dia de chuva
É tarefa da chuva limpar os pavimentos
Molhar os monumentos, encher os bueiros
A chuva é divina, a chuva nos ensina a olhar
Mas a chuva atrapalha o transito, os ciclistas
Os pedestres, no parque de diversão
Não há diversões, os bancos públicos
Estão vazios, o trem anda devagar
Escrevo um poema em um dia de chuva
Mas não escrevo sobre a chuva
Embora me entristeça, a chuva em mim
Não chega, olho a chuva vagamente, pouco
Escuto seu barulho, seu gemido pelas calhas
Seu ruído unido, mas não ligo para a chuva
A chuva é passageira, chove no tempo e
Sobre o tempo.
Mas não chove sobre o poema que descrevo
Milton Oliveira
27jan/2017