Nosso último jantar
Naquela noite a comida era a mais saborosa,
Porém, o aftertaste era de um amargor jamais
Provado por papilas gustativas humanas.
A noite, que passei em claro, a mais horrorosa.
A casa estava fria, mas era verão escaldante.
Dois edredons não me foram suficientes.
Só os ácaros dançavam em meio à poeira, salientes.
O silêncio carcomia-nos a cada instante.
Quisera eu habitar pasárgada, pois lá
Haveria algum bar aberto onde pudesse
Afogar as mágoas que ainda me restavam.
Mas não. Nada havia. Nem ali nem acolá.
O vinho, rascante, nunca fez tanto jus ao nome:
Descia rasgando até chegar ao tubo digestivo,
De onde iria para a cloaca sem aperitivo.
Nada além do que prato principal é o que se come
Quando nosso último jantar está ocorrendo.
Podia-se ouvir a comida sendo digerida
Dentro da gente. Algo, naquele instante, estava morrendo
Para nunca mais renascer: a esperança, esta ameba ferida.