A Dama da rua

Quem ousa me chamar de filha?/

Quando a fome me come/

Quando a dor me consome/

Quando a miséria me acolhe/

Não pode ser tu República/

Tão pouco os teus senhores/

Sutis amantes da improbidade/

E de tantos horrores/

Reis da hipocrisia/

Que feito corsários sem pátria/

A vender a sua alma como Judas/

Se revestem de insanidade e incoerência/

Pra usurpar da inocência/

O sonho de igualdade/

Que é a única esperança desse povo/

Saem aos montes dos esgotos/

Bem vestidos/

Bons partidos/

Falando discretamente em versos e bandeiras/

Que acreditam em suas mentiras/

Pra ludibriar os olhos/

Pra persuadir a consciência/

Pra neutralizar a força/

Garantindo o futuro/

Dos seus interesses/

E eu deitada na sarjeta/

Tendo por lar/

A vida dura e a muleta/

Tenho que tolerar o medo matar no colo uterino/

O meu menino/

Tenho que me permitir/

Pela lei e por minha ignorância/

Como prostituta/

Apesar da indignação/

Dos enfartes no coração/

Da injustiça absoluta/

Tenho que deitar com esses mal feitores/