Instantes

no quintal onde as galinhas ciscavam a tarde,

que desenhada pelo grito impressivo da vida

rude e agreste,

tão igual aqueles arruados estremunhados,

apascentava o silêncio calado e mandrião

daquela terras antigas, sulcadas e irrevogáveis

na tarde assim desenhada,

o vento dissolvia-se no borralho atávico do dia,

aflito,

sob um sol alaranjado e pastoso

desfiava os dias anacrônicos e afogueados

na janela o menino,

trepado num tamborete,

escorando o rosto com a mão,

cochilava embalado pelo mormaço,

e sonhava...

o sonho frágil e incerto

remanso quebrado da infância,

o sonho renitente que se esvai pelas frinchas da alma

o vento toma fôlego e espadaneja pelo quintal

em pequenos redemoinhos tenteadores

em algum lugar alheio ao sonho do menino

e o borralho do dia

as meninas cantavam cantigas de roda

e embalavam,

nos bonecos de palha de milho,

os filhos que um dia terão

esquecendo nas cantigas

e no ninar dos bonecos

a fome áspera, ralheta e inelutável

o cachorro dormia pachorrentamente

nas sombras que se escondiam pelos cantos,

embaixo das árvores,

perto do poço seco,

embaixo da escada,

debaixo do tanque,

na varanda...

enrodilhado na poeira assentada

nos braços magros das tardes

no horizonte o sol adernou no céu

o suspiro da noite veio,

veio,

como uma estória antiga,

um pensamento esquecido na severidade da vida,

veio vindo,

veio vindo,

veio vindo

veio vindo de mansinho

e dormiu nos olhos famintos das crianças