Beijo brejeiro
Como explicar a sensação de escutar Villa Lobos arranjado por Gismonti?
Das montanhas de Minas,
do brejeiro chorinho brasileiro,
das entranhas de uma gente que ri quando deve chorar,
pulsam notas irrequietas como os beijos de outrora, roubados atrás da igreja...
Valsas e baiões emolduram lembranças da inocência
do primeiro amor,
do primeiro beijo,
do beijo que não aconteceu,
do beijo que ficou suspenso no ar, distante como diamantes no céu.
A música evoca o lirismo
dos amantes clandestinos,
dos amores platônicos,
Apostando em mágicas reviravoltas do destino,
no poder da dor calculada,
da dor de abandonos e vazios,
da dor de culpas e cobranças,
da dor de amar desmedidamente.
Bálsamo benigno, que venha o Deus da música salvar-nos da pequenez, elevar-nos ao estado
de estupefação e glória,
de deslumbramento e de iluminação,
de êxtase e de paz.
Que venham todas as melodias encantar
os apaixonados e os desiludidos,
os esperançosos e os diversionistas,
os incautos e os controladores.
Um dia o baile recomeçará, e dançarão de novo
aqueles que nem se lembravam,
aqueles que não esqueciam,
aqueles que se guardavam
e aqueles que sofriam.
A música seguirá num crescendo que só descansará
depois da última curva,
depois da última volta,
quando o abraço finalmente durar,
quando o beijo acontecer
e tudo o mais vier a coroar o que não mais parecia destinado a vingar.