Vozes

Tudo aquilo que me escapa deixo ao sabor das palavras desses outros
Embriago-me em todas elucubrações que não são minhas
Elas se fixam nas teias de minhas ideias
Mesmerizando esses vagos encadeamentos de pensamentos
Um rapaz melancólico cruzando a ponte do rio Sena,
seus olhos diabólicos tragaram-me a alma
Seria eu mesmo a cruzar tal ponte desconhecida?
“Eu escrevi silêncios, noites, anotei o inexprimível. Fixei vertigens”
Gritei aos ventos silenciosos vindos das longas temporadas no inferno
Aquela voz não era minha, aquele rapaz não era eu.

Rompantes de angústia,
a alma não me pertence porque se desfaz nas palavras desses outros
“Nunca mais” crocita o pássaro que bica dolorosamente as lacunas de meu cérebro. Nunca mais reconhecer a mim mesmo;
Retumbam vozes que não são minhas nos recônditos da inconsciência
Uma breve lembrança difusa e atroz me faz dizer aos sussurros
“Definir é limitar”, escapa-me qualquer noção do que possa ter sido

Não sei quem sou porque estou naufragado nesse mar de ecos
Não podendo definir-me, sem limites permaneço, indefinível
“Não sou nada e nunca serei nada”, embala-me docemente essa voz fraterna que reconheço quase como o pai que nunca tive. Adormeço.
Escuto esse zunir que me vem em noites de tormenta, retirando-me da segurança onírica do sono profundo
“O ódio”, caro amigo, “é o mais longo dos prazeres”
Quanto poderá um despersonalizado ente odiar-se por não saber definir-se?

Ah! Todas essas vozes que se parecem com a minha, mas que não me pertencem!

No quadro negro da mente versos extraídos de flores que exalam todo mal do universo me fazem projetar minha própria tumba sem lápide.
Sou um desconhecido perdido no tempo que não existe: 
“Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, 
embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas!
De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha...”

 
Sem amarras e à deriva, encerro-me novamente no sono que entorpece,
Abraçando, entregando-me a própria vacuidade do meu ser
As vozes que me embalam são as únicas certezas me fazem crer:
Ainda existo, vagamente, existo e “sobrevivo a mim mesmo”.
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 16/08/2016
Reeditado em 28/10/2016
Código do texto: T5730336
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