Menino da Roça

Era um tempo sem tempo,

Era comer imagens, cheiros e sons,

Era se debruçar sobre o amanhecer

Entregue a grandiosa surpresa

De pequenos detalhes

De dias nunca contados

E dormir embaixo da sombra de uma árvore

Acariciado pela brisa doce

Após a espontaneidade de um bocejo

Sem compromisso de acordar,

Era se misturar a terra

Fazer desenhos com o corpo nela

E se sentir vestido dela

Contando as pintinhas nos poros,

Era jabuticaba, carambola, ameixa,

Acerola, pitanga, manga rosa, manga coquinho,

Tamarindo, mexerica pocam, azedinha, tomatinho,

Laranja, fruta do conde, amora,

Era leite ordenhado direto para o copo,

Era lutar contra os inimigos trigos

Com a espada espeto de churrasco

E fugir para o esconderijo cabana de chuchu,

Era conseguir sair do labirinto de horta

E arrancar as cenouras como prêmio,

Era subir no pé de jabuticaba antes de chover

E reger o movimento do vento

Controlando a intensidade da música da chuva,

Era ficar triste por não poder visitar

O interior da casa de um joão de barro

No galho mais alto de um ipê rosa,

Era ser artesão de bambus,

Era ser cientista maluco das galinhas

E confessar-se aos porcos

Que enterravam seus segredos no barro,

Era ouvir o riso prolongado no eco da cisterna,

Era beber o arco-íris feito na bica d'água no fim da tarde,

Era sentir o gosto do sol na boca

E ser dono do mundo sem ter intenção de conquistá-lo,

Era fazer arte que os adultos não apreciam

E apreciar tudo que eles não viam.

Leandro Tostes Franzoni
Enviado por Leandro Tostes Franzoni em 24/07/2016
Reeditado em 24/07/2016
Código do texto: T5707365
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