Menino da Roça
Era um tempo sem tempo,
Era comer imagens, cheiros e sons,
Era se debruçar sobre o amanhecer
Entregue a grandiosa surpresa
De pequenos detalhes
De dias nunca contados
E dormir embaixo da sombra de uma árvore
Acariciado pela brisa doce
Após a espontaneidade de um bocejo
Sem compromisso de acordar,
Era se misturar a terra
Fazer desenhos com o corpo nela
E se sentir vestido dela
Contando as pintinhas nos poros,
Era jabuticaba, carambola, ameixa,
Acerola, pitanga, manga rosa, manga coquinho,
Tamarindo, mexerica pocam, azedinha, tomatinho,
Laranja, fruta do conde, amora,
Era leite ordenhado direto para o copo,
Era lutar contra os inimigos trigos
Com a espada espeto de churrasco
E fugir para o esconderijo cabana de chuchu,
Era conseguir sair do labirinto de horta
E arrancar as cenouras como prêmio,
Era subir no pé de jabuticaba antes de chover
E reger o movimento do vento
Controlando a intensidade da música da chuva,
Era ficar triste por não poder visitar
O interior da casa de um joão de barro
No galho mais alto de um ipê rosa,
Era ser artesão de bambus,
Era ser cientista maluco das galinhas
E confessar-se aos porcos
Que enterravam seus segredos no barro,
Era ouvir o riso prolongado no eco da cisterna,
Era beber o arco-íris feito na bica d'água no fim da tarde,
Era sentir o gosto do sol na boca
E ser dono do mundo sem ter intenção de conquistá-lo,
Era fazer arte que os adultos não apreciam
E apreciar tudo que eles não viam.