Polpa

Vai confiante, solitária como é de ir desta vez para onde é preciso rumar

Mira seu cerne, o osso de seu primeiro e último caroço

Toca-o, dedilha-o, experimenta a nudez de encontrar-se, enfim

Não poupa qualquer polpa sua, despreza os pássaros que já lhe morderam e se foram

Nada escuta a não ser o sonho de recomeçar a inteireza única de seu sabor

Este caminho é assim mesmo, só se o faz por si e, só, como é de nascer, renascerá

Nua, limpa, entregue, desprotegida e feliz

Mas lembra que só assim, outra vez caroço, perto de sua protegida semente

Será possível crescer outra vez, tenra, molhada, perfumando o olfato com que sonha

E então, distraída enquanto regenera a si mesma

E então, desatenta enquanto tece a pêssega pele, descansa e antevê o sorriso acontecer

Sem que perceba, será presa d’alguma mão desprevenida e inocente a levá-la numa boca

Será silêncio e lentidão o que se segue à mordida, agora tardiamente surpresa

Será o encanto do encontro o que se note em seu olhar

Agora, caroço protegido, entrega-se corajosa, confiante, sedutora e deslizante

Primeiro à saliva, depois aos dentes, e por fim, ao coração que a espera