Finjo dormir
Finjo dormir iludido
de que já não me dói quando me atiram a pedra
mas as minhas dores só param de doer letra a letra
quando a palavra assoma torta ou reta
e os meus dedos estilhaçam-se
dentro das noites
nos generosos dias
nos quais a palavra desperta e se fia
e invade os espaços
quando os pássaros pousam nas árvores
e, então, posso ouvi-los sem pressa
recolocando no ar as manhãs e os ventos
sobrepondo-se à chuva no meu peito
Nada somos para além da alma
mas há os que pensam que são alguma coisa
sábios homens
pobre homens
néscios homens
nada são além de um rebanho de restolhos
seguindo inconscientes de si
fração proscrita da realidade onde vicejam os ególatras
e onde os arrivistas se enredam
Finjo dormir iludido
enquanto o vento traz os graciosos dentes-de-leão
e a vida, então, flutua
sobre a neblina solitária
escondendo a manhã
e sobre este Nada secular
pairando sobre infinitos
que faz dos momentos um sussurro
quando deveria ser o mais audível dos gritos