O DEFUNTO
a sepultura não é apenas a cova
onde mora o defunto
é seu alvará de soltura
está oficialmente livre
da fome da peste do voto do árido destino
de todo feixe de agrura
o defunto
agora limpo das lepras
não é mais o bêbado exilado no bar
não é mais o marido ausente e frio
não é mais o sonegador de impostos
o defunto
é agora o mais lorde entre os homens
seu crachá de vagabundo foi confiscado
recebe flores e preces
seus boletos bancários são letras mortas
sua dívida com o fisco foi para o arquivo
seu entrevero com o eletricista da esquina
agora é anedota que reforça sua condição de santo
em seu primeiro minuto no além
o defunto paga todas as suas contas
não mais funciona como matéria e companhia
agora sua imagem ganha peso de serafim
é aquele parente chorado
tema central da última ceia do ano
é agora amigo do peito do maior dos desafetos
limpo e barbeado o defunto comove
atrai olhares e inspira gemidos de compaixão
no céu será uma estrela triste
segundo o mandamento sagrado dos filhos
alheio a tudo o defunto se abriga na cova
sem requerer qualquer suplício
é apenas breve matéria
que se solta rumo ao nada