Tango
Movimento contrastante que lhe transpassa
Como navalha fria na carne quente
Brilho ofuscante de lâmina prata
Contornada pelo arabesco rubro do sangue
Fenecendo a possibilidade de um amanhã
No signo de uma cena trágica
Folhas mortas aos pés das árvores nuas de outono
Dançando na ejaculação turbulenta do vento
Movimentando-se com a violência de um verão tropical,
Perfume fúnebre de flores brancas da primavera
Dilacerado por um frio cortante de inverno
Um punhal métrico perfurando compassos
Na melodia entorpecida do sono de Julieta
A dor é esfacelada no gozo
Como o suicídio dos generais romanos
Ao encenarem uma falsa Ofélia,
Os pulmões do bandoneon de Piazzolla sopram
Uma melancolia que se enrola na fúria
Dançando no tabuleiro do xadrez de Borges,
Pensamentos tristes tomam corpos
E movimentam-se graciosamente agressivos
No colo de uma beleza não amarga, como a de Rimbaud,
Mas ácida como o fervor lúbrico de uma paixão
No ventre do desespero
Fecundando um cântico melancólico
Que anuncia uma partida antes da chegada
Denunciando assim a beleza sublime
De toda a tragédia humana.