MÁGOA CANTADA
Cantava, cantava, sofria e chorava.
Eu, de longe, pesarosa, observava
Ouvindo aquela voz funda e perdida.
Pela cantilena, já compelida
andei, devagar, e me aproximando,
enxerguei a cena sonora, bem quando
Atrás das seis cordas se contorcia,
Triste corpo de homem em melodia.
Esconder-se, pareceu-me, queria,
imaginei que a dor atroz seria
tamanha agrura, espasmo, inquietação
De corpo, voz e alma, malinculia
Judiada, convulsionada aflição.
Era dolorido lamento, a orar
Ouvi, vi, pressenti ao me aproximar.
Custosa ciência crescente, já eu tinha,
de soar-me perfeita prece em ladainha,
a mágoa cantada da Sementinha.
A música tão triste, então, me vinha
Indicando a morte, a perda da amada.
Precoce ida, em tumba repousada,
Armadilha encontrada antes do idílio,
Obrigou-os, assim a cruel, da união, o exílio.
Acabou-se a almejada primavera,
pura sina, a verdadeira algoz dela.
Do amor sob a paineira, secou a roseira,
Atrapalhou-se e findou o madrigal,
Escorre única vela em castiçal.
Fiquei a uns passos, senti arrepio nos braços,
Alma sofrida no alvo me atingira,
Eu repartida, em porções por boa mira,
Feito ponta fina de longo espeto,
Ele emociona tal qual o assum preto.
Daqui aos gerais, difere dos demais,
Cantar tão triste, igual não há, jamais.
A cantoria comovente, dolente,
Sangrou, entrou-me n’alma feito prego,
entristeceu-me a voz do cantor cego.
Dalva Molina Mansano