Ecos da neblina

Por mais que tentem

não me escondem

não me furtam

não me assaltam

não me elidem

não me levam de mim

a neblina

o abacateiro

o cachorro

os cheiros escondidos pelo quintal

o galinheiro

o poço, onde Tita morreu (Tita era uma das galinhas

e morreu afogada ao cair no poço)

o vão da escada e suas safadezas

flor nos canteiros

a rua de terra

bola de gude

pipa no céu

o vento chamado no assobio

show de calouros

o carrinho de rolimã

os pés de lata

a bola de plástico

o campinho e o campão

Dona Rosa que, pegando na minha

com aquela mão de enleio e delicadeza

e ao me dar o meu primeiro livro, O Patinho Feio,

enveredou-me pelo caminho

a juntar detritos e gritos

encantos e sustos

as meninas que tanto amei (sem que elas soubessem)

dentro dos arcos de noites de sonhos remendados

Tudo isso é meu

não...

não é isto que quero dizer

o que quero dizer é mais grave: tudo isso sou eu

bicho arrastado e embriagado pelas lembranças

e o tempo não me toma

jamais tomará

morra eu quantas vezes devam ser as minhas mortes

faça-se a noite mais precária

ou faça-se o mais precário dia

é eternamente meu

o que o meu sonho me fia