Marioneta

Numa ampulheta de cristal fino

escorro-me etérea em gestos títeres,

premeditados, demorados,

desabitados.

Vazios.

Marioneta. Não mais que isso.

As palavras não me bastam, não me saciam,

não me acalmam a dor da alma,

casta.

A palavra está gasta

na boca seca, gretada, da terra revolta

em espera da semente do beijo da tua boca.

Mordo na tonsura imperfeita, no golpe à navalhada,

as horas mortas em que se escoa o corpo,

no sono de quem morre falando baixinho,

o teu nome.

No acordar já morta no lençol vazio

e, sem que deseje, madrugo viva

na palavra triste,

na seiva reavivada

em sombras de horizontes longínquos.

Contra os sonhos, encontro os sonhos;

Contra o medo, encontro medo maior,

neste caminho em chamas em que me disputo

à vontade de me fundir negra na cor do luto.

Neste caminho devoluto em que me perdi de mim,

em que mais não sou do que

deambulação sonâmbula

em busca da paz

em busca da parte

que pressinto exista num riso inaugurado

na comunhão do homem e da sua obra.

Eu sou a obra. Tu o meu fim.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 21/06/2007
Código do texto: T535718
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